quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

História Paralela# - Parte 2: Renan Lima

   Pela parede exterior, se viu uma grande mancha de sangue ao lado da entrada. Naquele condominio de casas seguro, as moradias não tinham muros, e o quintal era aberto. As portas de entrada feitas de vidro deixavam o lugar ainda mais bonito e charmoso ao olhar de visitantes ou futuros compradores dos imóveis.
   O som do silêncio era uma tortura. A porta de vidro da entrada tinha sido completamente destruída. A cortina branca esvoaçava ao ritmo do vento. Renan caminhava apreensivo, ouvia somente o estalar dos cacos de vidro que se partiam sob seus passos. A sua volta, uma cena de desespero adormecida. Ele sabia que algo havia acontecido ali, mas agora, não fazia diferença.
   Andando de forma lenta e continua, ele adentrou sua casa. Não havia sinal de seus pais, em lugar nenhum. Não haviam bilhetes, mas também não existiam corpos ali. Sua família simplesmente desapareceu em meio ao caos.
   Por todos os lugares, estavam roupas largadas dobradas ou não. Porta-retratos sem suas fotos, talheres pelo chão. O ventilador de teto continuava ligado, agitando levemente os tecidos espalhados.
   Subiu pelas escadas, hesitante. Prendia a respiração para poder ouvir melhor qualquer coisa, o que acabou por mergulhá-lo num silêncio ainda mais profundo e desesperador. Com nada em mãos, o jovem não esperava encontrar nenhum infectado em sua casa. Aliás, rezava para não achar. Seria pelo menos um bom sinal em meio a tudo aquilo.
   Adentrou o seu quarto, e se deparou com uma cena inacreditável. Era um lugar normal. A cama bagunçada, com sua guitarra em cima... Todo o caos parecia não ter chegado até lá. Sentou-se, ainda em silêncio e pôs a cabeça entre as mãos.
   Por um momento, pensou que todos estivessem mortos. Mas então percebeu que não haviam corpos na casa, e nem infectados por perto. De fato, quando caminhou pelo seu condominio, tudo parecia estranhamente abandonado. Mas outra coisa era interessante: As fotos da casa... Sumiram.

“Saqueadores não teriam levado as fotos” Renan pensou consigo mesmo.

   Levantou-se hesitante da cama. Havia abandonado Matheus por nada. Deixou de ir para a evacuação por uma esperança falsa. Agora estaria condenado por isso. Ainda atordoado, ligou a televisão no canal de noticias.
   Na tela, um âncora americano falava por trás da mesa. Renan, que tinha um inglês fluente, conseguia entender sem dificuldade tudo o que o homem falava.

No Brasil, a infecção tomou proporções inimagináveis. William E. Brooks disse em sua coletiva mais cedo que deu por encerradas as operações de evacuação das cidades afetadas. Em Nova York, uma ameaça ainda não confirmada fez com que um prédio fosse posto em estado de quarentena...

   A cena saiu do estúdio para uma imagem de helicóptero de um prédio aparentemente comum, completamente cercado pela polícia. Era noite, e as sirenes do chão iluminavam praticamente toda a cena. Enquanto o helicóptero de noticias sobrevoava a cena, era possível ver outras luzes pelo céu. De repente, um tiro. Abalado pelo susto, a câmera tremeu por alguns instantes, como que desfocalizada.
   Renan desligou a TV e pôs o controle remoto sobre uma das prateleiras de seu quarto. Pensou em montar abrigo em sua própria casa, mas logo percebeu que não seria uma boa ideia. Percebera alguns instantes atrás que a água fora cortada, e os suprimentos do lugar davam para poucos dias.
   Caminhou de volta à sala. Em cima da estante, um porta-retratos estava virado para baixo. Renan pegou-o com cuidado e viu, contente, uma foto de sua família. Apesar da rachadura no canto superior direito, pôde ver no rosto de sua mãe, o motivo de ele estar ali.
   À esquerda, sua mãe, Clara, sorria alegremente para a câmera. Renan estava ao centro, com um largo sorriso, que deixava seus olhos quase fechados. No canto da direita, seu pai olhava para outro lugar que não a câmera, e tinha um sorriso bem discreto, quase imperceptível. O rosto paterno era também familiar por outros motivos. Por sorte, Renan havia sido criado por Renato. Um dos poucos privilegiados que podia recrutar jovens para os Lobos Azuis.
   Surpreso, Renan viu cair por entre a moldura um pedaço de papel dobrado. O pequeno objeto caiu graciosamente, deslizando no ar de um lado para o outro. O olhar incrédulo de Renan o acompanhando. Sem ousar desviar o olhar, ele se agachou para pegar o papelzinho.
   Em seu verso, viu por entre as marcas da dobradura a caligrafia fina e delicada de sua mãe, porém escrita sem muito capricho, atravessando linhas e comendo letras. Foi tomado instantaneamente por uma onda de felicidade, e sentiu novamente um sorriso tomar-lhe o rosto. Sem tempo a perder, começou a ler o bilhete.

Renan,
Se você está lendo isso, é porque a essa altura nós já partimos. Os amigos do seu pai confirmaram que Mangaratiba é seguro. Não há nenhuma dessas criaturas por lá. Beijos de sua mãe,
Clara”

   A mensagem era curta e direta. Renan leu o trecho “Mangaratiba é seguro” repetidas vezes, sem acreditar no que estava vendo. Então ele estava certo, era para lá que deveria ir. No fim, sua vinda até a casa dos pais não foi uma total perda de tempo. Renan pegou de seu quarto um taco de beisebol pequeno e compacto, que causava um grande estrago. Que perguntassem a Matheus, que já fora tantas vezes agredido com ele, no meio das brincadeiras violentas dos amigos.
   Água e comida, como sempre, foram procurados e estocados. No final, Renan saía de casa com mais coisas do que imaginava, além de estar seguro de que agora tudo ficaria bem. Saiu pela porta de vidro e observou mais uma vez, o veículo estacionado em frente a sua casa. Uma moto de cor azul metálica: A Kawasaki Ninja de um dos vizinhos. Renan não demorou para achar dentro da casa do Seu Antônio a chave do veículo que ele não mais utilizaria. Quando Renan entrou em sua casa, tudo o que o vizinho queria era um pedaço da sua carne. Mas com seu perfil característico, o garoto nem passou perto de ser mordido. Seu Antônio acabou no chão da sua sala de estar, morto de verdade, com uma chave de fenda enfiada em um dos olhos.
   Mas agora isso era passado. O futuro estava na moto, e em Mangaratiba. Um lugar normal, cheio de Lobos. Se desse sorte, talvez o ônibus de evacuação tivesse ido para lá. E Matheus estivesse ao lado de seu pai, Renato, perguntando onde estaria seu amigo. Não fazia diferença. Breve, Renan estaria lá também.










Para mais informações sobre o caso em Nova York: www.livrodezumbis.blogspot.com