sábado, 3 de setembro de 2011

Capítulo 13 - Revelações

   Três dias se passaram. Três dias regados a uma chuva fina e uma ventania gélida que parecia fazer o tempo ficar ainda mais frio do que já estava. Pela manhã, éramos submetidos a testes e avaliações físicas, sem falar dos exames médicos matinais. Tinha também o café da manhã, que era servido até as dez horas. As coisas eram cuidadosamente planejadas naquele lugar.
   William era o médico encarregado de mim. Ao contrário do que eu pensava, o edifício era bem grande, e possuía muitos funcionários também. É claro que eu não sabia o número certo, mas cada médico tinha uma quantidade pré-determinada de pacientes que deveriam atender.
   Durante o período da tarde, eles nos deixavam um pouco ao ar livre, como se fôssemos detentos. Talvez fosse para dar um ar mais humano ao local, ou talvez para que a gente não pirasse lá dentro. No fim, não importava muito. E assim se passavam os minutos, as horas, os dias... Três dias. Dias que mais pareciam um ano.
   O pátio de recreação era como o espaço aberto de uma prisão de segurança máxima. Grades e cercas eletrificadas se expandiam por toda a delimitação do local. O arame farpado era um aviso bem claro de que não haveria tolerância para com a desobediência. Foi de fato um alívio, quando no primeiro dia eu encontrei a todos no pátio. Graças a... Graças a eles mesmos, estavam vivos.
   O número de pessoas presas naquele lugar era bem maior do que eu havia pensado. De dimensões inimagináveis, o edifício de trinta andares também se estendia para o subsolo. Eu me lembrava de William me contando tudo aquilo.
   Sentado ao canto da cela, eu me lembrava de tudo o que havia acontecido na última semana de catástrofe total. Foi tudo de repente, aconteceu rápido demais. Pessoas morrendo ao meu redor, pessoas gritando. E a pior parte de tudo era que eu estava ficando nostálgico. Talvez louco. Louco. Eu gargalhava sozinho enquanto pensava nessa possibilidade.

-Matheus, por que está sorrindo? – Perguntou Lucas, com uma expressão de dúvida. O sol nascia havia nascido no horizonte há pouco mais que meia hora. Sim, a rotina era rígida por lá. Olhei para o meu colega de cela, tentando passar confiança.

-Nada demais, você não deve se preocupar com isso. Aliás, você não deve se preocupar com mais nada. – Eu dizia, corajosamente. – Nós dois vamos fugir daqui hoje. Aliás, é melhor avisar ao grupo todo. Cansei desse lugar.

-Como é?!

-É exatamente o que você ouviu. Eu vou embora e vocês vão vir comigo.

   Deixando o ar autoritário da última fala de lado, não tinha nada demais no que eu havia dito. Todos já esperavam um plano de fuga da minha parte, principalmente Lucas, que me conhecia bem. De qualquer forma, eu havia avisado sobre meus planos. Porém naqueles últimos dias fui impedido pelo clima ruim. Naquele dia, diferentemente dos demais, o céu estava claro, iluminado.
   Um chacoalhar de chaves foi ouvido. Ao me virar, deparei-me com um soldado uniformizado que nos convidava para o café da manhã. Lucas logo saiu da cela, acompanhado por outro funcionário.

-Preciso falar com o William. – Avisei assim que o militar olhou para mim. Depois de me ouvir, o soldado não parecia nem um pouco disposto a atender o meu pedido. Eu precisava ser um pouco mais sutil. – Eu necessito falar com o doutor Brooks imediatamente.

-E isso é jeito de falar comigo, moleque? – Perguntou o homem exaltado. Levantou a arma e avançou em minha direção, como se quisesse me dar uma coronhada com seu M4A1.

-Sanchez, se afaste do civil agora mesmo. – Dizia uma voz calma oriunda do corredor. Eu conhecia aquela voz. William apareceu por detrás dos vidros de minha cela. –Queria falar comigo, rapaz?- Perguntou diretamente a mim. Acenei positivamente com a cabeça e nos retiramos do local.
  Pude sentir o olhar com ódio daquele tal de Sanchez me perfurar as costas. Devia estar rangendo os dentes de raiva, aquele arrogante. Caminhei ao lado do médico calmamente pelos corredores, sem dizer uma palavra. Brooks, parecendo saber que a conversa era particular, me guiava para a sala de exames.

[...]
   As duas portas se abriram me dando a visão do interior da sala. Estava como sempre, arrumada. Os tubos de ensaio guardados dentro de um freezer pequeno ao canto, a maca posicionada bem no centro do ambiente. Havia também, é claro, o famoso espelho que se estendia por uma parede inteira.
   Antes que pudéssemos adentrar a sala, apareceram em nossa frente uma enfermeira e outro paciente como eu. Tinha uma aparência familiar. Era branco, meio calvo no alto da cabeça, apesar de sua juventude. Talvez fosse... Não. Era ousado demais imaginar que o meu professor de matemática ainda estivesse vivo. Seria muita coincidência.

-E então, 492, o que é tão importante? – Perguntou William para mim, despertando-me de meus pensamentos. Os funcionários costumavam chamar os pacientes pelo número de cadastro de cada um deles. Era como um procedimento padrão para evitar o apego entre eles.
-Brooks, sinceramente eu preferia que você me chamasse pelo meu nome. – Em resposta, o médico sorriu ironicamente.
-Você não tem preferências aqui. Pensei que já tivesse percebido isso. E então, o que quer?
   Respirei fundo por alguns instantes. Aquela grosseria por parte dele foi imprevisível. Mas isso não poderia me abalar nem um pouco, qualquer erro emocional poderia ser prejudicial ao meu plano.

-Eu sei a cura.
-Ãnnh? – William pareceu surpreso. Pude ver seus olhos se arregalarem por baixo de seus discretos óculos meia lua. –Cura? Você por acaso sabe alguma coisa dessa doença?
-Mais do que você imagina, porém menos do que eu queria saber. Conheci uma mulher na cidade que recebeu mais de três mordidas superficiais, e continuava sã depois de um dia inteiro. Ela não se transformou como os outros. Na verdade, a cicatrização daquelas feridas foi algo fenomenal, eu diria. – Cada palavra do que eu dizia era um blefe. Todavia, as minhas palavras pareciam surtir efeito enquanto eu olhava Brooks boquiaberto.

   Sem saber o que fazer, William me fitou por mais alguns instantes. Envolto em seus próprios pensamentos, pegou sua inseparável prancheta e começou a ler. Leu todos os escritos por um bom tempo, como se procurasse qualquer coisa que lhe ajudasse naquele momento, e então se dirigiu até o freezer no canto.
  Pegou uma amostra de um líquido qualquer que eu não reconhecia e veio até mim. Agachado ao meu lado, William falava baixo, como se não quisesse ser ouvido por mais ninguém.
-Essa daqui... - Disse ele indicando o tubo de ensaio, preenchido com um líquido azul. -... É a melhor amostra que eu tenho até agora. Eu não mostrei a ninguém ainda porque não gosto da finalidade da CCAB. Essa belezinha aqui, se você injetar em alguém, não vai matá-la ou tampouco curá-la. Os indivíduos cujos receberem uma dose disso, por menor que seja, vão ter todo o seu organismo reiniciado, como aqueles infectados lá fora. Mas terá a mente sob controle. Saberá o que está fazendo, ao invés de se comportar como um animal doentio. Imagine só as possibilidades! – Dizia ele sorrindo. – É como o elixir da vida, ou a maldição da imortalidade. Fica a critério de cada um.
   Olhei para ele durante alguns momentos. Apesar de não ter percebido, Brooks havia deixado um mistério no ar.
-Por que não gosta da CCAB?
-Não quero e nem posso falar sobre isso com você. Mas de qualquer forma, o que eu quero dizer, é que isso daqui é o meu orgulho. Todas as qualidades de um infectado, sem ser um deles. Você pode se ferir em diversos lugares do corpo sem sentir dor, sem sentir nada. Pode ficar sem respirar por tempo indeterminado. É o que eu disse. Basicamente, você é um deles sob controle. Me desculpe se estou sendo redundante.
-Ãnh... Tem algum efeito colateral? – Pude notar William escondendo um sorriso, como se admirasse a minha curiosidade pelo assunto.
-Uma leve descoloração dos olhos, aumento gradativo da agressividade e também uma perca grave de coordenação motora, principalmente para movimentos mais precisos. Mas nada que não possa ser controlado.
  Pensei por alguns instantes. Se ninguém sabia daquele novo medicamento, como Brooks o havia estudado tão objetivamente nos últimos dias? Ainda mais quando se tem trabalhado em tempo integral... Tentei segurar a minha curiosidade por um pouco mais de tempo, mas isso logo se tornou impossível.
-Como você sabe de tudo isso? Quem você usou como cobaia? – O médico não pode deixar de demonstrar certo arrependimento, misturado com dúvida.
-Eu mesmo.
-Caramba! – Exclamei surpreso. –Mas você é médico! Como pode ter uma grave falha na coordenação motora? Vidas dependem da precisão de suas mãos!
-Alto lá, garoto! Eu sou médico, não cirurgião. E é como eu disse: Nada que não possa ser controlado. – Ele respondeu, obviamente pondo um fim ao assunto. – Enfim, Matheus – Ele retomava a palavra, dando ênfase a exposição de meu nome na fala. – Eu estou disposto a te fornecer um comboio de meia dúzia dos meus melhores soldados, tudo para que você traga essa mulher até aqui. Ou pelo menos uma amostra do sangue dela. É tudo o que eu te peço. Mas agora, volte aqui com qualquer coisa pior do que essa amostra que eu já tenho e eu te mato por arriscar a vida de meus homens. Entendido?

   Engoli seco após ouvir as duras palavras saindo da boca de Brooks. Eu sabia que ele não iria tolerar uma decepção. Apesar de tudo ser um blefe, eu precisava mostrar confiança. Mais do que eu jamais imaginei, eu estava interessado por aquele vidrinho repleto de líquido azul nas mãos do doutor.

-Como vou saber que isso não é um blefe? Como vou saber se o que você tem nas mãos é mesmo uma cura ou apenas um corante?
 
   William me fitou por alguns segundos com um olhar de reprovação. Depois de alguma reflexão, ele levou uma das mãos até o rosto e pareceu, por alguns instantes, tentar tirar algo de um dos seus olhos. Assisti impotente ele tirar uma lente de contato de cor escura. Seu olhar era quase hipnotizante. Durante alguns instantes, Brooks me fitou com seu olhar vazio. A retina parecia descolada, sua íris era levemente amarela. Agora eu tinha certeza: Pelo menos ele, não estava mentindo ali.

3 comentários:

  1. Tenho acompanhado sua história desde o inicio, e achei muito bom, agora estou escrevendo uma história sobre zumbis, quando der visita o blog, abraços...

    www.segurenaminhamao.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Muito bom,muito bom... Se puder,dá uma olhada no meu blog,to tentando criar uma historia de zumbi ybm (bem amadora) Vai ver vc ajuda na divugaçào xD. Vlw Abs ! Endereço do blog: http://zdayzombieblog.blogspot.com/

    ResponderExcluir