quarta-feira, 25 de maio de 2011

Capitulo 5; pt2 : Mudanças

   Era uma loja de roupas, tudo estava minuciosamente arrumado e limpo. Parecia que nada havia acontecido lá dentro. Barricamos então a porta, era uma boa ideia parar e descansar. A rua estava imersa na penumbra. Vultos mancavam sem rumo pelo local.
-Vamos dar uma parada aqui. – Dizia minha mãe, se aconchegando em um sofá próximo ao provador.
   Renan sentou-se em cima do balcão, deixando a pá recostada na parede. Eu terminava de fechar todas as cortinas e persianas do local. Não queria ninguém nos espionando- Ou alguma coisa. Só depois eu poderia me relaxar um pouco mais. Deitei-me no chão, entre Renan e minha mãe. O piso era liso; estava seco e gelado.
-Amanhã eu vou atrás dos meus pais. – Meu amigo disse repentinamente.
-Como é? – Eu perguntei. Não achava possível que isso fosse verdade. Renan e sua família moravam a cerca de meia hora da escola - de carro. Não estávamos mais no colégio, e era arriscado demais ele sair por aí, sozinho. Além disso, ele era de grande importância para o nosso grupo, que já era pequeno.
-Eu vou atrás da minha família, cara. – Ele confirmou. Tinha um olhar onde eu vía um misto de confiança e medo. A situação dele naquele momento era difícil.
-Você não vai. – Minha mãe se pronunciou. – Se não percebeu, tudo está um caos lá fora. E eu detesto ser a malvada do grupo, mas ainda sou a responsável legal por vocês dois, e tenho certeza que a sua mãe não iria gostar nem um pouco de você saindo por aí sozinho. – Era impressionante o poder de persuasão de Rosana. Pela primeira vez em muito tempo, eu concordava com ela.
   Renan soltou um suspiro de desânimo. Ele não costumava desistir de suas ideias facilmente, mas percebeu que seria difícil nos deixar. Decidímos por um acordo silencioso esquecer aquela história toda por algum tempo. Dispersos, cada um estava perdido em seus próprios pensamentos quando o sono começou a bater.
  “Era uma sexta feira. Eu me encontrava em uma longa e mal-iluminada sala. O silêncio era total enquanto eu esperava pelo início do treinamento. De repente, um homem de estatura mediana me ataca. Era branco, cabelos curtos e negros. Movia-se agilmente enquanto manipulava em suas mãos uma pequena adaga.
-Atenção, atenção! - Ele dizia.
  Num movimento veloz, tentei segurar seu antebraço: Grande equívoco. Antes que eu pudesse perceber o que estava acontecendo, tudo girava ao meu redor. Eu estava no chão, olhando para cima. Chutei o agressor, ainda sem estratégia alguma. Isso me deu tempo para que pudesse me levantar.
   Avancei novamente contra o homem, que dessa vez não reagiu a tempo. Desarmei-o e tentei imobilizá-lo rapidamente. Porém este era habilidoso, e se desvinculou de meus golpes em pouco tempo.
-Você está melhorando. - Disse Renato.”
   Um som me despertou no meio da noite. Tudo era escuro e sombrio dentro do estabelecimento. Fui até onde eu achei ouvir o barulho de algo caindo: Dei de cara com Renan. Ele estava de mochilas nas costas, segurando com uma das mãos a maçaneta da porta de saída.
-Aonde você pensa que vai? – Perguntei.
-Eu já disse... Vou atrás dos meus pais. – Ele disse. Olhei em seus olhos, com empatia.
-Não vou te impedir, afinal eu também fui até a minha mãe. Posso entender o que você sente, cara.
-Matheus... – Ele dizia. – Saiba que você foi o melhor amigo que eu já pude ter. Se alguma coisa acontecer, quero que saiba disso.
-Nada vai acontecer. – Apertei a sua mão, com firmeza. – Boa sorte.
  Renan girou a pá em suas mãos habilidosamente, me deu um leve tapa nas costas e se despediu.
 –Te digo o mesmo. – Foram suas últimas palavras, antes de desaparecer pelas ruas, mal-iluminadas.
 Ví-o sumir por entre os prédios. Alguns desmortos tentavam seguí-lo, mas ele passava com velocidade, pulando carros e muros.
   Eu tentava não pensar no que iria acontecer quando minha mãe descobrisse que ele se foi. Decidido a esquecer meus problemas, eu começava então a explorar a loja, buscando por qualquer coisa que pudesse me distrair.
   Fui até o balcão, onde encontrei a caixa registradora. Curioso para saber o que aconteceria, comecei a digitar nela diversas combinações, para ver se conseguia abrí-la. Ela bipava repetidas vezes, mas nada acontecia. Desinteressado, sentei-me no banco do outro lado do caixa para refletir um pouco.
   Tudo ficaria mais difícil agora, sem o Renan. A única esperança era o tal ônibus, mas já eram quase meia-noite e ninguém sabia ainda por onde o veículo iria passar, afinal. As coisas estavam se tornando mais difíceis, e eu via minha vida em perigo a cada momento.
   Dei alguns passos sem direção pela loja, pensativo, até que encontrei um controle remoto. Fitei-o por alguns instantes e procurei pela televisão: Lá estava ela, no canto superior da sala. Apertei o botão de ligar, e por alguns momentos, tive a esperança de obter mais informações. Mero equívoco: Uma chiadeira no volume máximo toma conta do ambiente. Minha mãe acorda, assustada.
-Desliga isso, menino! Vai atrair estes demônios! – Seguindo a recomendação de Rosana, me apresso para desligar a barulhenta TV. Mas era tarde, da rua, multidões de desmortos se aproximavam cada vez mais.
-Silêncio, agora. – Sussurrei.
   O clima de tensão se espalha. Por entre a persiana, eu observo a perigosa aproximação das hordas e mais hordas de zumbis. Eles começam a apalpar o vidro e a parede exterior. Era arriscado ficar próximo a qualquer entrada. De repente, eles param de se mexer. Um barulho novamente cortava a noite escura. Um ronco alto, que se destacava de qualquer outro som. Porém ele agora é externo, e toda a atenção –Inclusive a dos infectados- se voltava para a rua: Um largo veículo modificado se aproximava velozmente. Era o ônibus.
-Estamos salvos! – Exclamou Rosana.

domingo, 22 de maio de 2011

Capítulo 5;pt1 - Um breve passeio

   Renan foi o segundo a sair pela porta, carregando consigo nada mais que sua mochila e sua pá. Minha mãe, como eu disse, havia saído apenas com as nossas malas. Será que ninguém se lembrou dos suprimentos? Com pressa, enchi um saco plástico com garrafas d’água e alguns pacotes de biscoito. Corri até o elevador, todos me esperavam.
-Droga, cadê meu bastão de ferro? – Lembrei. Há poucas horas, ele havia caído em frente à porta de minha casa, mas já não estava lá. Muitas coisas estranhas estavam acontecendo. –Aguardem um minuto! – Corri de volta para casa e abri a segunda gaveta da cozinha. Peguei dois facões de carne, de forma rápida. Anigamente eu gastava dias inteiros treinando arremesso dessas facas, por pura diversão.
-Chegou! – Renan me chamava do corredor. Apressei-me a trancar a porta e fui ao seu encontro. Com certeza este seria o passeio mais arriscado de minha vida. A começar pelo fato de que ninguém sabia, com certeza, onde procurar pelo ônibus. Tudo estava seguindo um rumo indesejado. Nunca gostei de improvisos.
   Descíamos os andares de forma veloz. Enquanto parava, a maquinaria deu um forte solavanco, assustando a todos. Alarme falso. Assistimos com apreensão as portas se abrirem: Uma brisa fria envolveu o ambiente.  Calafrios percorreram todo o meu corpo. Lá estava eu, de volta para o térreo. Depois de tanto desespero para chegar a minha casa, já estávamos partindo novamente.
    Tudo estava tranquilo e seguro. Minha mãe arrastava sua mala pela pequena rampa até o portão de entrada, causando um grande barulho que ecoava por toda a estrutura.  Olhei para o céu. Um azul se estendia por tudo o que meus olhos podiam alcançar.
-Matheus! – Me virei rapidamente, Renan estava de pé, olhando insistentemente para uma parede.
-O que tem aí?
-Nada! Este é o problema, não tem nada! Cadê o corpo?
Surpreso, corri até meu amigo. Sem reação, vi que o corpo que há pouco tempo ele arrastava para fora do elevador havia desaparecido. Em seu lugar não havia nada. Sumiu sem deixar rastros, a não ser a parede manchada com uma longa marca vermelha.
   Ouví então um som familiar: Minha mãe havia aberto o portão. Olhei para o exterior, assustado. Novamente chegava o momento de enfrentar a morte, andar por aquelas ruas, certamente, era algo que eu não pretendia fazer novamente tão cedo.
   Há um longo tempo atrás meu pai teve a ótima ideia de vender o segundo carro da familia. Eu aposto que ele não sabia que precisaríamos do carro num momento como esse. Falando nisso... E meu pai? E minha pequena irmã de oito anos? Era um emaranhado de dúvidas em minha cabeça. Quantas das pessoas que eu conhecia realmente sobreviveram?
     Não havia tempo para desperdiçar pensando em coisas inúteis. Era necessário sair dali, encontrar o ônibus e fugir da cidade. De preferência sem ninguém ser mordido - ou morto. Eu começava a acreditar que minha mãe estava certa, era um bom plano ir atrás de uma evacuação. Tudo isso era só uma crise repentina. Logo iria passar.
   Saímos então do condomínio. Um clima de suspense dominava a cidade. Agora não era mais tão difícil encontrar os desmortos. Havia pelo menos um em cada esquina, mas geralmente passávamos despercebidos. Houve uma ou duas vezes que eu tive de intervir.
   Caminhamos tranquilos pela cidade por cerca de quarenta minutos. Foi quando tivemos de parar num cruzamento, encolhidos atrás de uma árvore. Carros batidos dominavam toda a pista. Cerca de vinte infectados andavam, cambaleando, por entre os veículos.
-Eu tenho uma pá. – Disse Renan. Dei uma breve risada enquanto tirava as facas da bermuda.
-Fiquem aqui, em silêncio. – Minha mãe avisou. Ela soltou as malas recostadas em um canto e começou a procurar por algo no chão. Inclinei-me para tentar descobrir o que ela estava olhando. Depois de alguns segundos, Rosana se virava com um objeto amorfo em mãos. Uma pesada pedra de concreto.
-Toma- Ela estendeu o braço para mim. – Joga isso naquele caminhão ali. Bem no pára brisa. – Ela apontava para um caminhão do outro lado da rua, não tão distante. Fiz mira e arremessei a pedra, com alguma dificuldade. Depois de poucos segundos viajando no ar, ela se choca com o pára-brisa dianteiro do veículo, causando um estardalhaço. Nesse momento pensei que seríamos cercados e devorados. Fiquei surpreso ao ver que nenhum zumbi notou a minha movimentação brusca de arremesso, todos seguiram na direção do barulho, liberando assim o nosso caminho.
-Que legal! – Renan exclamou. Minha mãe sorriu para nós dois e então seguimos todos andando. O relógio já marcava quase cinco horas da tarde quando chegamos ao centro da cidade. Tudo estava muito pior lá. Não eram dezenas, mas sim centenas de indivíduos canibais passeando pelas sombras.
   Andávamos por dentro dos edifícios, as ruas estavam completamente tomadas. Paramos então para descansar dentro de uma pequena loja de roupas. Minha mãe sentou-se, soltando um suspiro de alívio. Deixei as persianas semi-fechadas, a ponto de conseguir enxergar o exterior. Percebí que os postes de iluminação já estavam acesos. Em pouco tempo perderíamos a luz do sol.

domingo, 15 de maio de 2011

Capitulo 4 - Difíceis Decisões


   Em silêncio nós aguardávamos. Um clima de suspense pairava no ar, enquanto ninguém ousava falar sequer uma palavra enquanto observávamos a porta, nem tocamos outra vez. Tudo parecia intacto, mas há muito tempo eu já sabia que não é seguro confiar nas aparências.
   Pelo rodapé, era possível avistar sombras se deslocando por dentro da casa. Viva ou morta... Tinha alguma coisa lá dentro. Eu tentava evitar ao máximo os pensamentos negativos. “Atende logo, mãe. Pare de bobeira” Pensava comigo mesmo. Era quase inconcebível para mim que minha família pudesse estar morta.
   Abruptamente, um som metálico corta o silêncio. Renan me olha e dá um sorriso. O primeiro sorriso realmente feliz que eu já vi em seu rosto. A porta se abriu: Minha mãe me observa com uma faca em mãos. Ela treme.
-Meu filho! - Só deu tempo de largar meu pedaço de ferro. Em frações de segundo, tinha sido capturado firmemente entre os braços dela. Tudo estava bem. Enquanto meu amigo apenas olhava a cena, minha mãe começava então a me interrogar sobre tudo. Não havia nada a dizer, eu não poderia falar algo. Estava tão confuso quanto ela. Isso era estranho para mim, era raro eu não conseguir explicar alguma coisa.
   Pela primeira vez desde que o colégio havia sido atacado, eu me sentia seguro. Minha mãe, cujo nome era Rosana, se apressou a trancar novamente nossa porta. Sorri então como nunca havia feito: Sentia um misto de alívio e felicidade extrema, uma emoção inexplicável.
   O êxtase não poderia durar muito tempo mais. Estávamos em perigo constante, e eu sabia disso. Todos nós sabíamos. E era por isso que minha mãe estava relutante em soltar a faca mesmo já sentada no sofá, enquanto assistia ao noticiário.
-Renan, você vem comigo. Vamos procurar coisas na internet. – Eu disse.
   O cômodo estava da forma como eu o deixei pela manhã. A cama ainda bagunçada, lençóis e cobertas jogadas ao canto. Entrei acompanhado de meu amigo, e sentamos os dois na cama. Se existisse alguma hora para conversar, deveria ser aquela.
- O que será de nós, cara? – Perguntei, mas não antes de perceber que Renan estava em silêncio. Lágrimas escorriam por seu rosto. Fiquei perplexo com aquela cena, afinal eu nunca fui bom em consolar pessoas. Calado, apenas observei tudo.
 Lentamente, ele vira o olhar para mim. Como se compreendesse o que se passava pela minha cabeça.
-Luís morreu. –Ele disse.  Aquelas palavras fariam mais efeito em mim do que todos os dias que se seguiriam dali em diante. Era um fato que eu não podia negar.
   Respirei fundo e lembrei-me de ligar o computador. Era a única esperança de descobrir o que estava realmente acontecendo. Renan secava as lágrimas na própria camisa, olhando a vista do meu apartamento, enquanto eu tentava não me abalar novamente. Naquele dia eu estava mais emotivo do que jamais estive em toda a minha vida.
-E aqueles carros parados ali? – Renan disse enquanto olhava pela janela. Adiantei-me para saber do que ele estava falando: Três furgões pretos estavam estacionados na esquina. Homens armados vestidos de preto vasculhavam a área, mexendo nos corpos pelo chão. Vieram em minha memória aqueles mesmos veículos cortando a rua há alguns minutos atrás. Havia algo de muito curioso em toda aquela história.
   Voltei à minha cadeira e comecei a procurar sobre os acontecimentos recentes. Em um site de buscas qualquer, percebo que a capital do estado não foi a única a ser atacada. Uma longa lista de cidades aparecia, dentre elas, Angra dos Reis. Lembrei de minha tia, qua há muito tempo morava lá.
   Porém não havia tempo para se lamentar. Digitei “CCAB” na barra de pesquisas. Se não me engano, eram essas as iniciais dos misteriosos veículos. Torci então para que encontrasse as respostas que eu tanto queria. No site, apareceram as mais variadas informações e imagens. Mas nada que fosse útil a mim.
-Matheus! – Minha mãe gritou da sala. Era impressionante como todos estavam chamando a mim naquele dia. Com certa preguiça, levantei-me e fui a encontro dela.
-O que houve? – Perguntei, mas ela apenas fez sinal para que eu permanecesse em silêncio e apontou para a TV: Uma mulher bem vestida se destacava do fundo azul do noticiário.
Hoje, a partir das três horas da tarde, ônibus passarão por todas as cidades afetadas recolhendo sobreviventes. A evacuação durará cerca de cinco horas. O percurso ainda não foi totalmente marcado, mas pelo que se sabe, tudo será improvisado, porque muitas ruas estão interditadas e não há como saber se eles terão acesso a todas as casas. Especialistas já indicam que será a maior missão de resgate... Da... Todos...”
   A imagem se cortava em chiados e falhas na transmissão, até que saiu do ar. Renan já estava próximo, e continuava a refletir sobre o que tinha acabado de ver. Minha mãe parecia estar muito contente com a notícia. Somente eu estava em dúvida sobre essa tal evacuação.
 -Filho, arrume suas coisas. Nós vamos para lá. – Minha mãe se ergueu e começou a andar pela casa. Era impressão minha ou até agora meu amigo e ela ainda não tinham se falado?
-Mas mãe, é perigoso! E para onde você está pensando em ir?
- Perigoso é tentar se esconder num buraco qualquer e morrer de fome. Ou de sede, o que vier primeiro.
-Mãe, você não está entendendo! Isso não vai dar certo!- Avisei-a.
Nesse momento ela se aproximou e me olhou nos olhos. -Me escuta aqui, você. - Deu um passo a frente- Quem dá as ordens sou eu, quem decide sou eu. Eu sou a líder aqui. Nós não vamos morrer. – Disse, e depois foi preparar as malas. Por um momento olhei para Renan, que apenas deu de ombros. "Você que sabe" ele dizia com o olhar.
   Eu estava nervoso com toda aquela situação. Seria justo o que eu não esperava. Todos discutindo, cada um com suas próprias ideias, suas concepções de sobrevivência. Eu sabia que ela estava errada. Mas não podia discutir. Eu me encontrava agora em um verdadeiro dilema.
   Segui para o quarto com ela, tentando discutir todos os perigos. Mas era inútil. Teimosa, insistia em dizer que tudo era para nosso bem. Que era a única solução. Eu via naquilo tudo um risco imensurável, uma verdadeira ameaça a nossas vidas. Mas não restava mais tempo, ou argumentos. Tudo estava se esgotando, só me restava ter fé.
   Em poucas horas, todas as malas estavam prontas. Renan assistia a tudo ainda confuso. Minha mãe estava cada vez mais ansiosa. O relógio marcava uma hora da tarde. O sol estava a pino no centro da cidade, mas uma coisa estava diferente naquele dia. Todo o lugar estava impregnado com um profundo cheiro de carne estragada.
-Vamos. – Ela dizia, enquanto abria a porta. Notei que minha mãe não carregava consigo arma alguma. Tudo havia passado rápido demais. Não havia como evitar mais nada.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Capitulo 3 - Lar doce lar

   Não havia ninguém na portaria. Olhamos em volta: O vento soprava balançando as folhas das árvores. Ouvia-se o cripitar das chamas que se espalhavam por diversos locais da cidade. O lugar estava, felizmente, deserto.
 -Pulamos a grade? – Perguntei. Renan examinava seu cabo de madeira quebrado, em silêncio. Jogou-o fora e dirigiu sua atenção a mim.
-Você que sabe, eu não moro aí.
   Virei meu olhar novamente ao prédio: Todo o térreo estava sem sinal de vida. A guarita mostrava marcas de sangue em sua janela quebrada. Naquele momento percebi que não existiam mais lugares seguros. Se aquelas criaturas já não estivessem lá, cedo ou tarde entrariam.
-Acho que eles já entraram aí. – Avisei.
-Beleza, e agora? – Renan não parecia demonstrar emoções, sequer se sentia nervoso com toda aquela situação. Tudo estava realmente estranho. -Eu já sabia disso. Mas você veio aqui com algum objetivo... Não foi?
   Encarava-me esperando por respostas. Claro que eu vim para cá com um objetivo! Mas não tinha certeza se o que eu pensei ainda era concreto. Imaginei voltar e pegar suprimentos, resgatar a minha familia. Mas quem sabe se ainda estão vivos? Era uma pergunta que eu procurava evitar.
   De repente, um barulho de motor quebra o silêncio. O som vai aumentando cada vez mais, até que na esquina aparece um furgão preto dirigindo em alta velocidade. Vira com tudo à esquerda e derrapa bruscamente. Eu consigo ver as iniciais “CCAB”, acima de um simbolo de perigo biológico. Seguindo o primeiro, mais dois veículos idênticos a esse passam fazendo a mesma tragetória. Era um comboio.
-O que aconteceu aqui?- Falei. Renan, dessa vez, parecia tão confuso quanto eu.
-Como é que eu vou saber? – Respondeu.
-Enfim... Vamos entrar? – Inspirei e tomei coragem, afinal não dava para ser precavido o tempo todo. Alguma hora eu iria ter de arriscar. Segurei minha arma branca com firmeza, enquanto observava o Renan vasculhar a lixeira por alguma coisa nova.
   Eu procurava por algum sinal de esperança no lugar. Alguma janela pintada, ou mesmo o som de helicópteros. Nada. Não era o fato de existirem zumbis que me incomodava, o que me deixava verdadeiramente preocupado eram as iniciativas das pessoas. Como será que o governo reagiria? Pelo que sei da história, geralmente não é nada legal ficar dentro da zona de quarentena. E que merda de carros eram aqueles que passaram?!
-Olha o que eu achei! – Gritou Renan, sorrindo. –Uma pá! – Ergueu então o instrumento.
   Acenei para ele e então invadimos meu próprio prédio. Todo o térreo estava limpo, subimos então a escada para o saguão. No lobby, as paredes estavam marcadas em vermelho, e tudo estava silencioso. O espelho quebrado ao canto. Adiantávamos-nos em direção ao elevador quando ouvimos passos. Um infectado vagava pelo corredor ao lado. Em silêncio, esperamos que ele passasse.
    Com um sinal sonoro, a porta do elevador se abre. As paredes estavam como todas as outras: Manchadas. Um corpo jazia imóvel no canto direito. Renan se adiantou e carregou o homem para fora. Era um sujeito alto, vestia terno e gravata. Eu conhecia aquele homem. Era meu vizinho Carlos, de vinte e nove anos. Tinha acabado de arrumar um emprego digno, após tanto tempo de estudo. Estudo que não lhe serviria de nada agora.
   Cuidadosamente, adentramos no elevador e subimos até meu andar. A porta abriu-se vagarosamente, como se quisesse ver o medo em nossos rostos. Era um longo corredor mal-iluminado. O lugar parecia estranhamente intacto. Avançamos até a porta sem falar uma palavra sequer. Estávamos ofegantes ainda, por causa da exaustiva ladeira. Nesse momento eu lembrei que não estava com a chave, provavelmente estava na mochila. O único problema era que a mochila havia ficado na escola. Minha única esperança era rezar. Após respirar profundamente, acenamos com a cabeça um para o outro. Então toquei a campainha

terça-feira, 10 de maio de 2011

Capitulo 2- Nova realidade, novos valores

   Gritos. Gemidos. Tiros distantes, que mais pareciam estalos. Sirenes ecoavam pela rua enquanto o caos ainda era total. Eu sentia uma dor lancinante no joelho esquerdo. Da grama, podia ver o portão de entrada do colégio, a uns trinta metros. Uma multidão de alunos corria desesperada, abandonando a escola.
   Tudo estava confuso e barulhento. Olhei para cima. O Sol brilhava com intensidade, destacando-se do majestoso céu azul. Sua luz me cegava quase completamente. A forte dor na minha perna me recobrou os sentidos outra vez. Olhando para cima, reparei que saltara de mais que quatro metros de altura. Algo estava errado. Doía muito.
   Pessoas passavam correndo. Algumas se atacavam. Eu conseguía ouvir as explosões, os disparos. Eles estavam próximos, assim como os maníacos. Havia fumaça em todo lugar, o céu estava tomado por um vermelho fogo. Carros de bombeiros tentavam apagar os inúmeros focos de incêndio que se alastravam pela cidade. Gritos, correria. Um helicóptero voando baixo, lentamente. Era da Globo. Ouvi um derrapar de pneus, e virei a tempo de ver uma viatura jogar um idoso pelos ares, com o corpo contorcido pelo impacto.
   Não se passou muito tempo até que pudesse ver alguém se jogando pela mesma janela que eu. Ele caiu a alguns metros de mim e executou um rolamento para amortecer a queda. Era Renan. Não se machucou como eu, parecia perfeitamente bem.
-Vambora! – Disse enquanto se levantava, limpando as mãos uma na outra. Fixou em mim um olhar de piedade, ao perceber que eu segurava minha perna com as duas mãos. Uma expressão inconfundível de dor. Juntando minhas forças, levantei em um só esforço. Senti meu joelho estalar, voltando ao lugar.
-Eu to bem. – Disse.
   Começamos então a correr na direção da saída, quando se ouviu um baque surdo vindo de trás. Foi seguido de um grito de dor. Virei-me: Luis estava estirado no concreto. Sua perna estava virada para o lado oposto ao sentido do joelho. Gritava de uma forma agonizante.

   Busquei Renan com o olhar, e então percebi que ele fitava Luís sem a menor piedade. Senti que meus olhos começavam a lacrimejar.
   Avistei uma aluna se aproximar pelo portão. Ela urrava enquanto vinha determinada em nossa direção. Dei outra olhada em Luis, e e fechei os olhos.
   Não sei se eu disse meu pedido de desculpas em voz alta, naquele dia. Mas lembro com clareza: Virei às costas e corri. Aquela mulher ensanguentada parecia mais interessada no Luis que em nós. Ele urrava de dor. Logo, eram cerca de três canibais arrancando pedaços dele e...
 -Vai ficar olhando os zumbis, caramba? – Renan me olhava com impaciência.
-Não diga essa palavra. – Respondi.
-Quê palavra?
-Zumbis. É uma palavra não adequada para a situação. – Disse, lembrando de todos os filmes que eu já vira. Todas as histórias que li.
-Como assim não é?! É a situação mais adequada que poderia existir! Vambora logo!
   Trocamos olhares, ele segurava um cabo de vassoura partido. Sequei meu rosto e me recompus mentalmente.
-Onde você arrumou isso?
-Isto aqui? – Disse ele, levantando a vassoura em uma de suas mãos. –Bem ali – Apontou para um canto próximo ao muro de saída. – Pega um e vamos logo. Temos sorte de ninguém ter nos visto ainda. –
   Eu tinha de concordar com ele. Após pegar uma pequena e leve barra de ferro, fomos para a rua. Era de extrema importância chegar a minha casa antes que piorassem as coisas. Eu vivia num pequeno apartamento, no último andar de um alto edifício.
   Carros passavam acelerados, focos e mais focos de incêndio pelas ruas. O som que mais se ouvia era um misto de sirenes e gritos. Eu tentava ignorar tudo, tentava esquecer o que estava acontecendo. Mas era impossível, pois volta e meia tínhamos de evitar algum perigo que se aproximava. 
-Eu sempre soube que isso iria acontecer. – Renan tentava quebrar o clima tenso que dominava o local. – Só não sabia quando. –
   Fitei-o por alguns instantes até decidir que não queria responder. Não depois da insensibilidade que demonstrara com a morte de um amigo. E se fosse eu no lugar do Luis? Ele ficaria assim também? Aquilo não saía de minha mente. Eu provavelmente não dormiria em paz naquele dia.
-Não fica assim, cara. Uns vivem e outros morrem. Você mesmo me disse isso outro dia. –De repente Renan parou de andar, gesticulou então para que nos abaixássemos. Havia um desmorto passando pela outra calçada. Escondemo-nos atrás de um carro batido, eu torcia para que não fôssemos vistos.

 –Esse aí, por exemplo, vai morrer agora. – Com um sorriso,  Renan pulou por cima do carro enquanto gritava furiosamente. Sem ação, o homem infectado nada pôde fazer, enquanto meu amigo golpeava-o com ferocidade.
   Alguns minutos se passaram. Longos minutos os quais preferi passar olhando para o chão, perdido em meus próprios pensamentos. Aquele... Aquele zumbi, já foi uma pessoa um dia. Não foi tão responsável quanto nós, ou apenas não tinha dado sorte. Sorte era uma palavra na qual eu pensava muito desde que fugimos da escola. Tivemos sorte de correr, tivemos sorte de agir rápido, temos sorte de estar vivos.
-Viu só? Eles são uns babacas, a gente só precisa acertar na cabeça. – Voltava meu amigo, com o cabo de vassoura apoiado no ombro, quebrado e ensanguentado. –Preciso de uma arma nova. Vamos acelerar a passada. –
   Andamos por mais alguns minutos até chegarmos à minha rua, onde nos deparamos com a ladeira íngrime que teríamos de subir. Sem dizer palavra alguma, continuei a andar. Notei que Renan me acompanhava tão silencioso quanto eu. Finalmente ele havia entendido que eu não queria conversar.
   Eu podia sentir a adrenalina ferver em minhas veias. Naquele momento não seria exagero dizer que eu era imortal, mas não era. E sabia disso porque eu ainda podia sentir agudamente a dor na perna esquerda.
   O portão de meu condomínio estava a apenas alguns metros. Olhando para trás, ví o condomínio onde Luís havia morado os últimos anos de sua vida. Tentei não chorar de novo, eu já estava ficando emotivo demais. A emoção agora era uma das coisas que eu excluiria do meu vocabulário.

domingo, 8 de maio de 2011

Capitulo 1- Um dia não tão comum

   O Rio de Janeiro nunca foi uma cidade tão assustadora, pelo menos não para mim. Eu me lembro como se fosse ontem da correria pelas ruas, de quando eu era ainda criança. Não existiam preocupações, era um tempo mais simples. Eu tinha tudo para ser feliz e não sabia. Não havia como imaginar que isso tudo poderia mudar em poucas semanas. Semanas nas quais a Zona Oeste que eu conhecia, nunca mais seria a mesma.
   Naquela época eu tinha dezesseis anos. Era mais uma manhã comum de aula, se não fosse o fato de eu estar atrasado. Minha mãe me chamava atônita para ir à escola, eram 07h15min da manhã e eu ainda estava na cama. Os olhos semi-abertos, ouvindo muito e entendendo pouco do que ela dizia.
   Desesperada, ela conseguiu me tirar do sono que me possuía. Na correria, se adiantou a preparar um rápido café-da-manhã. Banhei-me, e como que por instinto, liguei a TV. O noticiário estampava a foto de macas num hospital.
Acontecimentos fora do normal se espalham pela cidade do Rio de Janeiro. Desde a noite de sexta, as autoridades vêm recebendo ligações...
-Matheus, está na mesa! –
   Levantei com agilidade do sofá e praticamente engoli a refeição. Com alguma dificuldade, consegui sair de casa às 07h25min. A rua estava estranhamente calma naquele dia. Era esquisito, de fato. Desde a construção do Mirante Campestre, meu bairro agora era agitado e movimentado. Aproveitei então o percurso até o colégio, silenciosamente.
   Olhei no relógio, já havia passado o tempo da entrada. Procurei então pelo porteiro Agnaldo e sua prancheta, onde eu deveria assinar, por estar atrasado. Entretanto, a entrada do colégio estava vazia, a não ser por alguns estudantes, que como eu, perderam a hora. Sem pensar duas vezes, aproveitei a brecha para entrar na sala logo.
   Aula de Sociologia: A turma se agitava de um lado para o outro. Gargalhadas altas e brincadeiras pela sala, enquanto a professora continuava a escrever no quadro. Algumas bolas de papel voavam atravessando o lugar.
-E aí, Matheus? – Vinha Luís Felipe. Era meu colega de escola e também de curso. Acho que passo mais tempo com ele que com minha família. Só não o vejo aos domingos.
-Tudo bem, carinha? – Disse eu, tentando sorrir. Apesar de não tentar parecer amigável o tempo todo, aquele menino era bacana comigo também, e não me custava retribuir.
- Fala aí, negada! – Chegou Renan, um menino alto da minha sala. Tinha seus dezessete anos de idade. É de uma vida interessante: Mora longe da escola. O sujeito tem cara de nerd, mas é bom em esportes. Isso sem falar do pai dele, que parece um agente da CIA. – Estavam falando de mim, não é? –
Eu e Luís nos entreolhamos, pensando no que iríamos dizer. “Falando dele? Por que diabos estaríamos falando dele?” Pensei. Renan apenas ria de nós. Percebi que eu deveria estar com uma cara de bobo.
   Nesse momento, a porta da sala se abriu de forma estrondosa. Bateu com força na parede, assustando a todos. Imóveis, os alunos fitavam a cena em silêncio. A diretora, Rosélia, entrava calmamente pela porta.
-O que ela ta fazendo aqui? – Luís sussurrou para mim. Sem poder responder, apenas observei o que viria a seguir.
- Alunos, infelizmente essa manhã vocês estão dispensados. – Ela falou. Nesse momento se ouviram gritos de alegria e entusiasmo. Eu estava incluído nessa multidão contente.
-Por quê? – Gritou uma menina ao fundo. Maldita seja.
- Infelizmente, desde o fim de semana o Ministério da Saúde avisou para todos permanecerem em suas casas. Hoje, nossa secretária percebeu que perdemos o contato. – Viam-se lágrimas escorrerem pelo rosto da diretora. Eu não aguentava ver aquilo, precisava de respostas.
-Perderam o contato com quem? – Perguntei, de pé. Nesse momento ela me olhou. Puder ver, em seus olhos, uma certa angústia.
-Com todo mundo. –
   Antes que eu pudesse dizer algo, ouviu-se um estampido ensurdecedor.  Ninguém sabia o que fazer. Ao perceber que eram tiros, eu me joguei no chão. Não era uma coisa normal, o que estava havendo? Temporariamente surdo, eu olhava em volta. A diretora se recostou ao quadro, tapando os ouvidos. Todos os alunos pareciam ter me imitado, e estavam todos agachados próximos às paredes.
   Arrisquei olhar para a porta, e por alguns instantes pensei ver pessoas correndo. Mas então tive a visão obstruída. Na entrada da sala, parou uma figura familiar. Era Agnaldo, o porteiro do colégio. Estava com o uniforme comum, mas estranhamente sujo e surrado. Observei com atenção: Ele parecia ferido. O homem andava, vacilante, em direção à diretora.
   E então, de repente, ele simplesmente saltou sobre Rosélia, derrubando-a. De olhos arregalados, eu nada conseguia fazer. Foi quando percebi que ele parecia tentar mordê-la. Os gritos se espalharam pela sala, o pânico era geral. Algumas pessoas conseguiam correr para fora, enquanto outras permaneciam como eu, imóveis.
   Inicialmente Rosélia brigava, empurrando o agressor contra a parede. Até que por fim, exausta, deixou-se ferir por Agnaldo. Ele era um homem sem expressões. Dominava-a com força, quando enfiou seus dentes no pescoço dela. Tive a infelicidade de ver o que parecia ser a traqueia dela, pendendo fora de seu corpo.
-Matheus! – Luis gritou. Tinha uma expressão de medo, os olhos tão arregalados quanto os meus. Eu conseguia ver as gotas de suor escorrendo por seus fios de cabelo. Lembrei de outra pessoa.

–Renan! – Eu gritei com vontade.
   Encontrei o olhar apreensivo do rapaz. Sem hesitação, corri sem pegar nada em direção à janela. Antes de poder olhar a queda, saltei. Deus, ainda bem que eu faço parkour.