Era uma loja de roupas, tudo estava minuciosamente arrumado e limpo. Parecia que nada havia acontecido lá dentro. Barricamos então a porta, era uma boa ideia parar e descansar. A rua estava imersa na penumbra. Vultos mancavam sem rumo pelo local.
-Vamos dar uma parada aqui. – Dizia minha mãe, se aconchegando em um sofá próximo ao provador.
Renan sentou-se em cima do balcão, deixando a pá recostada na parede. Eu terminava de fechar todas as cortinas e persianas do local. Não queria ninguém nos espionando- Ou alguma coisa. Só depois eu poderia me relaxar um pouco mais. Deitei-me no chão, entre Renan e minha mãe. O piso era liso; estava seco e gelado.
-Amanhã eu vou atrás dos meus pais. – Meu amigo disse repentinamente.
-Como é? – Eu perguntei. Não achava possível que isso fosse verdade. Renan e sua família moravam a cerca de meia hora da escola - de carro. Não estávamos mais no colégio, e era arriscado demais ele sair por aí, sozinho. Além disso, ele era de grande importância para o nosso grupo, que já era pequeno.
-Eu vou atrás da minha família, cara. – Ele confirmou. Tinha um olhar onde eu vía um misto de confiança e medo. A situação dele naquele momento era difícil.
-Você não vai. – Minha mãe se pronunciou. – Se não percebeu, tudo está um caos lá fora. E eu detesto ser a malvada do grupo, mas ainda sou a responsável legal por vocês dois, e tenho certeza que a sua mãe não iria gostar nem um pouco de você saindo por aí sozinho. – Era impressionante o poder de persuasão de Rosana. Pela primeira vez em muito tempo, eu concordava com ela.
Renan soltou um suspiro de desânimo. Ele não costumava desistir de suas ideias facilmente, mas percebeu que seria difícil nos deixar. Decidímos por um acordo silencioso esquecer aquela história toda por algum tempo. Dispersos, cada um estava perdido em seus próprios pensamentos quando o sono começou a bater.
“Era uma sexta feira. Eu me encontrava em uma longa e mal-iluminada sala. O silêncio era total enquanto eu esperava pelo início do treinamento. De repente, um homem de estatura mediana me ataca. Era branco, cabelos curtos e negros. Movia-se agilmente enquanto manipulava em suas mãos uma pequena adaga.
-Atenção, atenção! - Ele dizia.
-Atenção, atenção! - Ele dizia.
Num movimento veloz, tentei segurar seu antebraço: Grande equívoco. Antes que eu pudesse perceber o que estava acontecendo, tudo girava ao meu redor. Eu estava no chão, olhando para cima. Chutei o agressor, ainda sem estratégia alguma. Isso me deu tempo para que pudesse me levantar.
Avancei novamente contra o homem, que dessa vez não reagiu a tempo. Desarmei-o e tentei imobilizá-lo rapidamente. Porém este era habilidoso, e se desvinculou de meus golpes em pouco tempo.
-Você está melhorando. - Disse Renato.”
Avancei novamente contra o homem, que dessa vez não reagiu a tempo. Desarmei-o e tentei imobilizá-lo rapidamente. Porém este era habilidoso, e se desvinculou de meus golpes em pouco tempo.
-Você está melhorando. - Disse Renato.”
Um som me despertou no meio da noite. Tudo era escuro e sombrio dentro do estabelecimento. Fui até onde eu achei ouvir o barulho de algo caindo: Dei de cara com Renan. Ele estava de mochilas nas costas, segurando com uma das mãos a maçaneta da porta de saída.
-Aonde você pensa que vai? – Perguntei.
-Eu já disse... Vou atrás dos meus pais. – Ele disse. Olhei em seus olhos, com empatia.
-Não vou te impedir, afinal eu também fui até a minha mãe. Posso entender o que você sente, cara.
-Matheus... – Ele dizia. – Saiba que você foi o melhor amigo que eu já pude ter. Se alguma coisa acontecer, quero que saiba disso.
-Nada vai acontecer. – Apertei a sua mão, com firmeza. – Boa sorte.
Renan girou a pá em suas mãos habilidosamente, me deu um leve tapa nas costas e se despediu.
–Te digo o mesmo. – Foram suas últimas palavras, antes de desaparecer pelas ruas, mal-iluminadas.
Ví-o sumir por entre os prédios. Alguns desmortos tentavam seguí-lo, mas ele passava com velocidade, pulando carros e muros.
Eu tentava não pensar no que iria acontecer quando minha mãe descobrisse que ele se foi. Decidido a esquecer meus problemas, eu começava então a explorar a loja, buscando por qualquer coisa que pudesse me distrair.
Fui até o balcão, onde encontrei a caixa registradora. Curioso para saber o que aconteceria, comecei a digitar nela diversas combinações, para ver se conseguia abrí-la. Ela bipava repetidas vezes, mas nada acontecia. Desinteressado, sentei-me no banco do outro lado do caixa para refletir um pouco.
Tudo ficaria mais difícil agora, sem o Renan. A única esperança era o tal ônibus, mas já eram quase meia-noite e ninguém sabia ainda por onde o veículo iria passar, afinal. As coisas estavam se tornando mais difíceis, e eu via minha vida em perigo a cada momento.
Dei alguns passos sem direção pela loja, pensativo, até que encontrei um controle remoto. Fitei-o por alguns instantes e procurei pela televisão: Lá estava ela, no canto superior da sala. Apertei o botão de ligar, e por alguns momentos, tive a esperança de obter mais informações. Mero equívoco: Uma chiadeira no volume máximo toma conta do ambiente. Minha mãe acorda, assustada.
-Desliga isso, menino! Vai atrair estes demônios! – Seguindo a recomendação de Rosana, me apresso para desligar a barulhenta TV. Mas era tarde, da rua, multidões de desmortos se aproximavam cada vez mais.
-Silêncio, agora. – Sussurrei.
O clima de tensão se espalha. Por entre a persiana, eu observo a perigosa aproximação das hordas e mais hordas de zumbis. Eles começam a apalpar o vidro e a parede exterior. Era arriscado ficar próximo a qualquer entrada. De repente, eles param de se mexer. Um barulho novamente cortava a noite escura. Um ronco alto, que se destacava de qualquer outro som. Porém ele agora é externo, e toda a atenção –Inclusive a dos infectados- se voltava para a rua: Um largo veículo modificado se aproximava velozmente. Era o ônibus.
-Estamos salvos! – Exclamou Rosana.