Gritos. Gemidos. Tiros distantes, que mais pareciam estalos. Sirenes ecoavam pela rua enquanto o caos ainda era total. Eu sentia uma dor lancinante no joelho esquerdo. Da grama, podia ver o portão de entrada do colégio, a uns trinta metros. Uma multidão de alunos corria desesperada, abandonando a escola.
Tudo estava confuso e barulhento. Olhei para cima. O Sol brilhava com intensidade, destacando-se do majestoso céu azul. Sua luz me cegava quase completamente. A forte dor na minha perna me recobrou os sentidos outra vez. Olhando para cima, reparei que saltara de mais que quatro metros de altura. Algo estava errado. Doía muito.
Pessoas passavam correndo. Algumas se atacavam. Eu conseguía ouvir as explosões, os disparos. Eles estavam próximos, assim como os maníacos. Havia fumaça em todo lugar, o céu estava tomado por um vermelho fogo. Carros de bombeiros tentavam apagar os inúmeros focos de incêndio que se alastravam pela cidade. Gritos, correria. Um helicóptero voando baixo, lentamente. Era da Globo. Ouvi um derrapar de pneus, e virei a tempo de ver uma viatura jogar um idoso pelos ares, com o corpo contorcido pelo impacto.
Não se passou muito tempo até que pudesse ver alguém se jogando pela mesma janela que eu. Ele caiu a alguns metros de mim e executou um rolamento para amortecer a queda. Era Renan. Não se machucou como eu, parecia perfeitamente bem.
-Vambora! – Disse enquanto se levantava, limpando as mãos uma na outra. Fixou em mim um olhar de piedade, ao perceber que eu segurava minha perna com as duas mãos. Uma expressão inconfundível de dor. Juntando minhas forças, levantei em um só esforço. Senti meu joelho estalar, voltando ao lugar.
-Eu to bem. – Disse.
Começamos então a correr na direção da saída, quando se ouviu um baque surdo vindo de trás. Foi seguido de um grito de dor. Virei-me: Luis estava estirado no concreto. Sua perna estava virada para o lado oposto ao sentido do joelho. Gritava de uma forma agonizante.
Busquei Renan com o olhar, e então percebi que ele fitava Luís sem a menor piedade. Senti que meus olhos começavam a lacrimejar.
Busquei Renan com o olhar, e então percebi que ele fitava Luís sem a menor piedade. Senti que meus olhos começavam a lacrimejar.
Avistei uma aluna se aproximar pelo portão. Ela urrava enquanto vinha determinada em nossa direção. Dei outra olhada em Luis, e e fechei os olhos.
Não sei se eu disse meu pedido de desculpas em voz alta, naquele dia. Mas lembro com clareza: Virei às costas e corri. Aquela mulher ensanguentada parecia mais interessada no Luis que em nós. Ele urrava de dor. Logo, eram cerca de três canibais arrancando pedaços dele e...
-Vai ficar olhando os zumbis, caramba? – Renan me olhava com impaciência.
-Não diga essa palavra. – Respondi.
-Quê palavra?
-Zumbis. É uma palavra não adequada para a situação. – Disse, lembrando de todos os filmes que eu já vira. Todas as histórias que li.
-Como assim não é?! É a situação mais adequada que poderia existir! Vambora logo!
Trocamos olhares, ele segurava um cabo de vassoura partido. Sequei meu rosto e me recompus mentalmente.
-Onde você arrumou isso?
-Isto aqui? – Disse ele, levantando a vassoura em uma de suas mãos. –Bem ali – Apontou para um canto próximo ao muro de saída. – Pega um e vamos logo. Temos sorte de ninguém ter nos visto ainda. –
Eu tinha de concordar com ele. Após pegar uma pequena e leve barra de ferro, fomos para a rua. Era de extrema importância chegar a minha casa antes que piorassem as coisas. Eu vivia num pequeno apartamento, no último andar de um alto edifício.
Carros passavam acelerados, focos e mais focos de incêndio pelas ruas. O som que mais se ouvia era um misto de sirenes e gritos. Eu tentava ignorar tudo, tentava esquecer o que estava acontecendo. Mas era impossível, pois volta e meia tínhamos de evitar algum perigo que se aproximava.
-Eu sempre soube que isso iria acontecer. – Renan tentava quebrar o clima tenso que dominava o local. – Só não sabia quando. –
Fitei-o por alguns instantes até decidir que não queria responder. Não depois da insensibilidade que demonstrara com a morte de um amigo. E se fosse eu no lugar do Luis? Ele ficaria assim também? Aquilo não saía de minha mente. Eu provavelmente não dormiria em paz naquele dia.
-Não fica assim, cara. Uns vivem e outros morrem. Você mesmo me disse isso outro dia. –De repente Renan parou de andar, gesticulou então para que nos abaixássemos. Havia um desmorto passando pela outra calçada. Escondemo-nos atrás de um carro batido, eu torcia para que não fôssemos vistos.
–Esse aí, por exemplo, vai morrer agora. – Com um sorriso, Renan pulou por cima do carro enquanto gritava furiosamente. Sem ação, o homem infectado nada pôde fazer, enquanto meu amigo golpeava-o com ferocidade.
–Esse aí, por exemplo, vai morrer agora. – Com um sorriso, Renan pulou por cima do carro enquanto gritava furiosamente. Sem ação, o homem infectado nada pôde fazer, enquanto meu amigo golpeava-o com ferocidade.
Alguns minutos se passaram. Longos minutos os quais preferi passar olhando para o chão, perdido em meus próprios pensamentos. Aquele... Aquele zumbi, já foi uma pessoa um dia. Não foi tão responsável quanto nós, ou apenas não tinha dado sorte. Sorte era uma palavra na qual eu pensava muito desde que fugimos da escola. Tivemos sorte de correr, tivemos sorte de agir rápido, temos sorte de estar vivos.
-Viu só? Eles são uns babacas, a gente só precisa acertar na cabeça. – Voltava meu amigo, com o cabo de vassoura apoiado no ombro, quebrado e ensanguentado. –Preciso de uma arma nova. Vamos acelerar a passada. –
Andamos por mais alguns minutos até chegarmos à minha rua, onde nos deparamos com a ladeira íngrime que teríamos de subir. Sem dizer palavra alguma, continuei a andar. Notei que Renan me acompanhava tão silencioso quanto eu. Finalmente ele havia entendido que eu não queria conversar.
Eu podia sentir a adrenalina ferver em minhas veias. Naquele momento não seria exagero dizer que eu era imortal, mas não era. E sabia disso porque eu ainda podia sentir agudamente a dor na perna esquerda.
O portão de meu condomínio estava a apenas alguns metros. Olhando para trás, ví o condomínio onde Luís havia morado os últimos anos de sua vida. Tentei não chorar de novo, eu já estava ficando emotivo demais. A emoção agora era uma das coisas que eu excluiria do meu vocabulário.
Cara muito show esse post muito melhor que o capitulo 1 esse tem mais açao e coloca coisas intereçantes.FLW
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