domingo, 8 de maio de 2011

Capitulo 1- Um dia não tão comum

   O Rio de Janeiro nunca foi uma cidade tão assustadora, pelo menos não para mim. Eu me lembro como se fosse ontem da correria pelas ruas, de quando eu era ainda criança. Não existiam preocupações, era um tempo mais simples. Eu tinha tudo para ser feliz e não sabia. Não havia como imaginar que isso tudo poderia mudar em poucas semanas. Semanas nas quais a Zona Oeste que eu conhecia, nunca mais seria a mesma.
   Naquela época eu tinha dezesseis anos. Era mais uma manhã comum de aula, se não fosse o fato de eu estar atrasado. Minha mãe me chamava atônita para ir à escola, eram 07h15min da manhã e eu ainda estava na cama. Os olhos semi-abertos, ouvindo muito e entendendo pouco do que ela dizia.
   Desesperada, ela conseguiu me tirar do sono que me possuía. Na correria, se adiantou a preparar um rápido café-da-manhã. Banhei-me, e como que por instinto, liguei a TV. O noticiário estampava a foto de macas num hospital.
Acontecimentos fora do normal se espalham pela cidade do Rio de Janeiro. Desde a noite de sexta, as autoridades vêm recebendo ligações...
-Matheus, está na mesa! –
   Levantei com agilidade do sofá e praticamente engoli a refeição. Com alguma dificuldade, consegui sair de casa às 07h25min. A rua estava estranhamente calma naquele dia. Era esquisito, de fato. Desde a construção do Mirante Campestre, meu bairro agora era agitado e movimentado. Aproveitei então o percurso até o colégio, silenciosamente.
   Olhei no relógio, já havia passado o tempo da entrada. Procurei então pelo porteiro Agnaldo e sua prancheta, onde eu deveria assinar, por estar atrasado. Entretanto, a entrada do colégio estava vazia, a não ser por alguns estudantes, que como eu, perderam a hora. Sem pensar duas vezes, aproveitei a brecha para entrar na sala logo.
   Aula de Sociologia: A turma se agitava de um lado para o outro. Gargalhadas altas e brincadeiras pela sala, enquanto a professora continuava a escrever no quadro. Algumas bolas de papel voavam atravessando o lugar.
-E aí, Matheus? – Vinha Luís Felipe. Era meu colega de escola e também de curso. Acho que passo mais tempo com ele que com minha família. Só não o vejo aos domingos.
-Tudo bem, carinha? – Disse eu, tentando sorrir. Apesar de não tentar parecer amigável o tempo todo, aquele menino era bacana comigo também, e não me custava retribuir.
- Fala aí, negada! – Chegou Renan, um menino alto da minha sala. Tinha seus dezessete anos de idade. É de uma vida interessante: Mora longe da escola. O sujeito tem cara de nerd, mas é bom em esportes. Isso sem falar do pai dele, que parece um agente da CIA. – Estavam falando de mim, não é? –
Eu e Luís nos entreolhamos, pensando no que iríamos dizer. “Falando dele? Por que diabos estaríamos falando dele?” Pensei. Renan apenas ria de nós. Percebi que eu deveria estar com uma cara de bobo.
   Nesse momento, a porta da sala se abriu de forma estrondosa. Bateu com força na parede, assustando a todos. Imóveis, os alunos fitavam a cena em silêncio. A diretora, Rosélia, entrava calmamente pela porta.
-O que ela ta fazendo aqui? – Luís sussurrou para mim. Sem poder responder, apenas observei o que viria a seguir.
- Alunos, infelizmente essa manhã vocês estão dispensados. – Ela falou. Nesse momento se ouviram gritos de alegria e entusiasmo. Eu estava incluído nessa multidão contente.
-Por quê? – Gritou uma menina ao fundo. Maldita seja.
- Infelizmente, desde o fim de semana o Ministério da Saúde avisou para todos permanecerem em suas casas. Hoje, nossa secretária percebeu que perdemos o contato. – Viam-se lágrimas escorrerem pelo rosto da diretora. Eu não aguentava ver aquilo, precisava de respostas.
-Perderam o contato com quem? – Perguntei, de pé. Nesse momento ela me olhou. Puder ver, em seus olhos, uma certa angústia.
-Com todo mundo. –
   Antes que eu pudesse dizer algo, ouviu-se um estampido ensurdecedor.  Ninguém sabia o que fazer. Ao perceber que eram tiros, eu me joguei no chão. Não era uma coisa normal, o que estava havendo? Temporariamente surdo, eu olhava em volta. A diretora se recostou ao quadro, tapando os ouvidos. Todos os alunos pareciam ter me imitado, e estavam todos agachados próximos às paredes.
   Arrisquei olhar para a porta, e por alguns instantes pensei ver pessoas correndo. Mas então tive a visão obstruída. Na entrada da sala, parou uma figura familiar. Era Agnaldo, o porteiro do colégio. Estava com o uniforme comum, mas estranhamente sujo e surrado. Observei com atenção: Ele parecia ferido. O homem andava, vacilante, em direção à diretora.
   E então, de repente, ele simplesmente saltou sobre Rosélia, derrubando-a. De olhos arregalados, eu nada conseguia fazer. Foi quando percebi que ele parecia tentar mordê-la. Os gritos se espalharam pela sala, o pânico era geral. Algumas pessoas conseguiam correr para fora, enquanto outras permaneciam como eu, imóveis.
   Inicialmente Rosélia brigava, empurrando o agressor contra a parede. Até que por fim, exausta, deixou-se ferir por Agnaldo. Ele era um homem sem expressões. Dominava-a com força, quando enfiou seus dentes no pescoço dela. Tive a infelicidade de ver o que parecia ser a traqueia dela, pendendo fora de seu corpo.
-Matheus! – Luis gritou. Tinha uma expressão de medo, os olhos tão arregalados quanto os meus. Eu conseguia ver as gotas de suor escorrendo por seus fios de cabelo. Lembrei de outra pessoa.

–Renan! – Eu gritei com vontade.
   Encontrei o olhar apreensivo do rapaz. Sem hesitação, corri sem pegar nada em direção à janela. Antes de poder olhar a queda, saltei. Deus, ainda bem que eu faço parkour.

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