domingo, 25 de setembro de 2011

Capitulo 14 - Os Lobos Azuis

   Um pássaro negro e mal-cheiroso relaxava sobre o cercado da construção enorme. O abutre limpava-se cuidadosamente, passando o bico por entre as penas das asas. Havia decidido descansar, pois já estava difícil de voar com aquele vento todo. Ficar aos redores daquela prisão era garantia certa de comida. Volta e meia aparecia algum cadáver do lado de fora das muralhas. A ave procurou com o olhar por alguma carniça, mas não havia nada naquela região no momento. De repente, um som alto de motor assusta a criatura,que alça vôo sumindo no azul do céu.
   O vento batia forte do lado de fora da base, balançando os cabelos lisos e despenteados de William Brooks. O doutor caminhou vagarosamente até um grupo de soldados que pareciam se preparar para uma missão. Estavam todos sorridentes e confiantes, não eram novatos no assunto.
   Sentado na caçamba de um jipe do exército, eu observava a certa distância o doutor dar as últimas explicações à equipe encarregada de me escoltar até a cidade. Poucos momentos antes, ele tinha me levado até uma enorme sala com inúmeros pertences e me devolvido as roupas com as quais fui apreendido. Porém nada mais do que isso. “Você não vai querer sair pela rua vestido de branco” Ele dizia. Agora lá estava eu, no carro. Havia uma metralhadora calibre 50 em minha frente, fixada ao veículo, mas eu não podia me distrair com isso. Precisava tentar ouvir, entre a ventania violenta, as palavras de Brooks.

-... Ainda não tenho certeza. Mas como eu já disse, vocês precisam levar esse cara até onde ele quiser. Entendido? –
   Todos ficaram na posição de sentido, e então William os liberou. Um a um, eles entraram no veículo onde eu estava. Todos de uniforme militar. Conversavam e riam alto. Os soldados ainda trocavam algumas palavras entre si quando William se dirigiu a mim.
- Garoto, aquela história de te matar é só brincadeira, ta? Acho impossível que você consiga encontrar algo melhor do que aquela amostra que eu tenho. Afinal é o próprio vírus modificado. – Ele olhou em volta para se certificar de que ninguém tinha ouvido aquilo. Franzi a testa em sinal de dúvida. Mas Brooks não parecia muito interessado em responder as minhas perguntas. Notando a minha curiosidade, ele deu um sorriso e se despediu.

-Como eu já disse, você está nas melhores mãos. Se cuida, guri! – Dizia enquanto se afastava. Pela primeira vez, eu pude notar que estávamos em frente a um portão grande feito de metal. Por entre as grades, era possível ver a estrada adiante.
   O motorista fez um sinal para uma das torres e então, com um barulho tremendo, o portão começou a se abrir. Foi quando o meu coração gelou. Acho que até o momento eu não tinha pensado que iria me arriscar de novo. Sair da segurança daquele lugar, enfrentar todos aqueles monstros novamente. E dessa vez, desarmado.
   Senti uma leve tremedeira no veículo pesado enquanto o motorista acelerava para o lado de fora do perímetro. Pela primeira vez em três dias, eu estava saindo daquela prisão. Apesar de todas as desvantagens, dessa vez eu tinha um fator que estava ao meu lado: Disposição. Há muito tempo eu não tinha descansado tão bem quando consegui fazer naquele curto espaço de tempo em que eu fiquei ‘‘internado’’.
   Os portões de metal se fechavam vagarosamente -enquanto faziam uma barulheira escandalosa- quando William saiu correndo da base apressadamente em nossa direção, parecendo ter se esquecido de alguma coisa.

-Rapaz... – Ele dizia para mim, apoiado na lateral do veículo. O médico parecia fingir estar cansado pela breve corrida que deu. –Nem pense em fugir. – Depois de um breve sorriso, acenei positivamente e Brooks deu sinal de que já estávamos liberados para partir. O carro se afastou suavemente enquanto eu observava de longe o médico voltar para dentro da base.


   Já estávamos na estrada há quase meia hora. Distraído em meus próprios pensamentos, eu brincava com o cadarço de meu tênis sem perceber. Não conseguia parar de pensar naquele vidro com conteúdo azul... E nas possibilidades que ele apresentava.

-Hey, pequeno príncipe! – O motorista parecia me chamar. Estava com o tom de voz um pouco acima do normal, para que sua voz se destacasse de todos os outros barulhos do exterior. –Para onde vamos? –
-Esse daí não tem nada de príncipe. – Respondeu o soldado que dividia a parte de trás do veículo comigo. Sorridente, ele me deu mais uma boa olhada. –E nem de pequeno – Riu para si mesmo e voltou a atenção para a metralhadora que segurava.
-É... Pode ser. – O motorista retomou a palavra. – Mas e então, para onde?
   Naquele momento eu notei que estávamos o tempo todo dirigindo numa pista fora de rota. Talvez até fora do mapa. O carro estava agora parado à margem da estrada principal. Havia fios de energia elétrica ao longo da pista. Então presumi que estávamos próximos de alguma cidade.
-Vamos para Mangaratiba. – Eu disse. – É lá que vi a mulher pela última vez.
-Mulher? O William falou para nós que era homem. Certo, pessoal? – Perguntou o motorista, e todos assentiram. Eu iria me corrigir, mas estava certo de ter falado ao Brooks de uma mulher. Devia ser alguma pegadinha dos soldados.
-Não! Que homem o quê! É mulher, o nome dela é Diana! – Disse com toda a confiança que pude demonstrar. Vi pelo retrovisor o que parecia ser um sorriso surgindo no rosto do carona.
-Que seja, então. – E o motorista pisou fundo.
-Navegador, pode me guiar até essa cidade da qual nunca ouvi falar?
   O carona assentiu com um gesto e então começou a desdobrar um mapa realmente enorme que havia tirado do bolso. Era um pedaço de papel tão grande e difícil de controlar que os esforços do navegador em decifrá-lo chegavam a atrapalhar um pouco o motorista.
-Ãnh... Pega a próxima entrada a direita e segue por mais alguns quilômetros. –
-Pelo visto isso vai demorar – Reclamou o motorista, tirando um Ipod da calça. Vendo o movimento, o atirador traseiro logo o repreendeu.

-Nada de música! Pelo menos não enquanto estivermos em terreno aberto. Contentem-se com o estardalhaço que essa porcaria de carro já faz. A gente não precisa de mais atenção ainda.

   De fato, sempre que passávamos por algum infectado, mesmo que fosse a dezenas de metros, eles se viravam curiosos para ver o que estava acontecendo. Alguns até arriscavam correr na nossa direção. Mas como era de se esperar, nenhum teve sucesso em alcançar o carro que se movia em torno de oitenta quilômetros por hora.
   Ficamos na estrada por pouco mais de uma hora, antes de chegar até o local pretendido. Tempo que era dividido entre conversa jogada fora e algumas piadas de guerra do motorista. Eu tentei me manter em silêncio o tempo todo, mas o pessoal me envolvia na conversa. Eles eram até legais, apesar de eu não saber o nome de ninguém.


   Após algum tempo, lá estávamos nós. Mangaratiba. Logo de chegada eu pude avistar alguns zumbis que vagavam sem rumo. Sob a ordem de cessar fogo do próprio atirador, o motorista e o navegador tiveram que se contentar em desviar dos inimigos.
-Procurem por um posto de gasolina. – Sugeri, simplesmente porque era o único ponto que eu conhecia da cidade. O motorista apenas grunhiu em acordo, e o navegador permaneceu em silêncio. Seu mapa era para grandes escalas, e ele não podia ajudar mais do que já tinha feito.
   Após rodar algumas vezes pela cidade, finalmente encontramos o posto abandonado por onde eu passei alguns dias antes. O motorista parou na calçada, depois de se certificar de que haviam deixado os infectados bem para trás.
-É aqui. – Falei.
   Todos desceram do carro, com as armas em punho. O mais alto, que até então dirigia o veículo, carregava um fuzil M4A1 militar. Os demais levavam consigo submetralhadoras MP5, que para mim, eram armas americanas. Ouvi leves cliques enquanto os homens preparavam as suas armas. Estavam todos relativamente relaxados.
- Qual o nome de vocês? – Eu perguntei.
-Isso não importa, mas você pode me chamar de Garoto. – Dizia o até então motorista. Ele era alto, tinha seus quarenta e tantos anos. Branco de cabelos curtos e pretos. A barba mal feita lhe sombreava boa parte do rosto. Apontou então para o navegador. – Chame ele ali de Torrada, e o outro de... Pode chamar ele do que você quiser.- Ele disse, soltando algumas breves risadas.
-Me chame de Will. – Respondeu o homem. Retribuindo a piada do colega com um sorriso.
-Beleza então, ta todo mundo apresentado. Podemos entrar agora? – Perguntou Torrada. Obviamente, ele estava nervoso de ficar ali do lado de fora, vulnerável. Torrada era o mais baixo do grupo, eu podia apostar que era também o mais novo. Eu não daria mais do que vinte e cinco anos ao rapaz. Era loiro de cabelos lisos e seus olhos eram castanhos escuros. Will, por sua vez, era de altura mediana e tinha o corpo em forma. Grandes braços como o de um lutador. Era pardo e usava um moicano.
   Sem mais demora, eu os guiei até a pequena loja de conveniências. Agora de armas apontadas, os três homens me acompanhavam com atenção máxima e o menor barulho possível. Ao chegar à porta da pequena loja, me deparei com o vidro totalmente espalhado pelo chão, em cacos. Lembranças... Doces lembranças. Daquele fato, talvez nem tão doces assim.
-Sai da frente, guri. – Falou Garoto enquanto tomava a dianteira. Parado em frente à pequena entrada, ele fez alguns sinais rápidos com a mão direita antes de entrar. Will vinha logo atrás, dando apoio. Torrada parecia mais interessado em cuidar para que eu não fugisse. Mais relaxado que os demais, ele apenas olhava em volta para certificar a retaguarda do grupo.
   De repente, Garoto correu para dentro da loja, desaparecendo na escuridão. Com a falta de energia elétrica, era quase impossível ver onde ele estava. Foi seguido por Will, que adentrou o estabelecimento mirando para o lado oposto que Garoto tinha protegido. Senti um leve empurrão de Torrada enquanto ele me conduzia para dentro. Virado de costas, o último dos rapazes apontava a arma para os becos e vielas de onde podiam sair inimigos a qualquer momento.
-Limpo. – Falou Garoto em voz alta, apenas o suficiente para ser ouvido por todos.  Baixando as armas, a equipe de elite ficou mais calma. Aproveitando a breve distração dos soldados, eu aproveitei para pegar uma caixa de pilhas na prateleira a minha direita. Enfiei os pequenos objetos no bolso do casaco e disfarcei, como se nada tivesse acontecido ali.
-E então? Onde está a Diana? – Perguntou Garoto com um olhar sério. Ele parecia estar compreendendo a minha farsa. Era melhor que eu não enrolasse. Para o meu próprio bem.
-Ela estava aqui com o pessoal dela, alguma coisa deve ter acontecido. – Comentei, apontando para as marcas de balas na parede. Marcas que eu mesmo havia feito.
-Pessoal? Por que não avisou que eles andam em grupo? A ameaça é bem maior! A gente não deveria ter vindo apenas em três pessoas.
   No momento em que Garoto começou a se questionar, eu percebi algo que deveria ter notado antes. Os corpos dos infectados cujos eu e Marcos havíamos matado alguns dias antes... Haviam sumido. Todos eles. Estavam mortos com tiros na cabeça. Será que tinham ficado imunes a isso também? Ou isso ou alguém se deu ao trabalho de tirá-los dali. Mas quem e por quê? Em seu lugar, existiam somente trilhas de sangue seco e fedorento que levavam para o exterior da loja. Moscas zumbiam enquanto voavam preguiçosamente onde deveriam estar as supostas carcaças.
-Torrada, chame reforços pelo rádio. É mais provável de que você consiga sinal lá fora. – Ordenou Garoto, e Torrada assentiu com um gesto. –Will, você fica comigo. Temos muitas pistas dentro dessa loja. Vamos dar uma geral aqui.

   Senti uma mão em meu ombro novamente, e percebi que eu não poderia escolher para onde ir. Torrada me chamava para acompanhá-lo novamente. Demos alguns passos em direção ao exterior e então paramos próximos ao veículo.
-Aqui é Raposa-Tango 671, alguém na escuta? Aqui é Raposa-Tango 671... Alguém na escuta, câmbio? – Torrada tentava contatar o comando desesperadamente. Aproveitei a oportunidade e me afastei um pouco, indo na direção da loja.
   Peguei o pacote de pilhas no meu bolso e olhei para elas durantes alguns breves segundos. Convencido do que eu deveria fazer, arremessei-as com força total no vidro da pequena loja. O resultado foi imediato. Um longo som ecoou por toda a rua. Eu arriscaria que em alguns minutos teríamos a companhia de centenas de zumbis.
-Ei! O que você pensa que está fazendo? – Gritou Torrada, realmente irritado. O som do vidro se espatifando outra vez percorreu a cidade. Eu tinha certeza de que havia cumprido o meu objetivo. Instintivamente, talvez, a arma do jovem soldado estava apontada na direção do meu peito. Isso não me agradava nem um pouco.
   De repente, outra coisa aconteceu. Algo inesperado e surpreendente. Um som alto como o de uma pancada na madeira saiu de dentro da loja.
-Parados! – gritou uma voz abafada pela distância. Eu e Torrada nos entreolhamos do lado de fora, enquanto assistíamos, impotentes, a cena que se desenrolaria a seguir.
  Foi realmente estranho quando pude ver Garoto e Will saindo da loja caminhando lentamente, com os braços para trás. “Possivelmente,” Pensei “Estão algemados”.
   Caminhando por detrás dos militares, estava uma figura de capuz verde escuro. Não parecia amigável. Notei que Torrada havia direcionado a MP5 na direção do desconhecido, enquanto outros encapuzados apareciam de diversos lugares. No alto de prédios, na janela e até mesmo em cima da loja de conveniências. Eles carregavam o que pareciam ser arcos e flechas improvisados.
   Torrada recuava vacilantemente, sem ceder a tentação de atirar, mas também sem abaixar a arma. Eu o acompanhei, hesitante, enquanto pensava no que iria acontecer conosco.
-Abaixem as armas! – Gritou o homem de cima do prédio no lado direito da rua. Abafado pela distância, ouvi a ordem como um sussurro.
   Senti um calafrio ao olhar para o beco atrás de mim. À distância, eu avistei nada mais que um leve movimento de alguma coisa. Foi o suficiente para fazer com que eu me jogasse ao chão.
   No momento seguinte, ouviu-se um estampido. Pude ver o clarão do disparo que veio do beco. Torrada caiu ao chão do meu lado, olhos vidrados. Não havia sinal de sangue. Concluí que o colete havia salvado a sua vida. Porém eu não tinha colete. Estiquei a minha mão, pegando a pistola do soldado ao meu lado. Ela estava presa por um fio de náilon ao seu uniforme. Mas isso de nada me impediu. Com velocidade, eu apontei a arma para o beco e efetuei nada menos que cinco disparos. Ao julgar pelo silêncio repentino, eu tinha derrubado o alvo.
-Pro chão! Largue a arma! Nós vamos atirar! – Gritavam os inúmeros homens misteriosos sem sincronia alguma. Convencido, me joguei ao chão com as mãos na cabeça. Torrada continuava ofegante a minha direita.
   Assisti com certa raiva outro vulto no beco sem saída. A silhueta do atirador pulou o muro e passou para o outro lado em menos de um segundo. Eu não atingi o infeliz.
   Garoto e Will foram postos de joelhos ao nosso lado. À distância, éramos observados por pelo menos uma dúzia de sobreviventes. Seria bom estar do lado deles agora.
-Quem são vocês e o que fazem na nossa cidade? – Perguntou o homem mais próximo. Ao que tudo indicava, ele havia desarmado e imobilizado sozinho Garoto e Will. Dois agentes de um grupo da elite militar.
-Raposa-Tango 671. Missão de busca e resgate. – Explicou Garoto brevemente. Notei que ele não estava ferido com marcas de agressão. Assim como Will.
-Missão de busca e resgate...- O homem desconhecido repetiu em tom de zombaria. –E quem vocês estariam buscando-resgatando?
-Indivíduo do sexo feminino, quarenta anos aproximados, primeiro nome Diana. Está com vocês? – Se apressou Torrada.
-Cala a boca! É confidencial! – Gritou Will com toda a sua voz.
   Notando o silêncio de um determinado membro daquele grupo, o encapuzado apontou para mim. Apesar de eu não poder ver seus olhos, cobertos pela sombra do capuz, sabia que havia uma expressão curiosa ali.
-E aquele ali, quem é?
-Aquela é a nossa fonte, senhor. – Explicou Garoto, e o homem grunhiu brevemente, em sinal de concordância.
-Bom, como todos vocês sabem, eu não tenho motivo para matar nenhum de vocês. Não há nenhuma sobrevivente chamada Diana na nossa pequena cidade. Nós podemos soltá-los se prometerem nunca mais nos incomodarem.
   Por um breve momento, Garoto e os outros militares se entreolharam esperançosos. Pelo que parecia, todos esperavam morrer ali.
-Como sabe que não tem nenhuma Diana aí?- Perguntei. Afinal, se o homem quisesse mesmo estragar os meus planos, tinha que ter uma justificativa.
-Eu sou o líder dos Lobos Azuis. Nós podemos garantir que procuramos em cada centímetro da nossa cidade pelos sobreviventes. E aqui não tem nenhum, ou nenhuma que não esteja no nosso grupo.

   Senti o olhar zangado de Garoto perfurando as minhas costas, enquanto éramos postos de pé pelos sobreviventes. Torrada e eu fomos revistados minuciosamente antes de deixarem que nos levantássemos. Desarmados, ficamos nos olhando por mais alguns instantes antes de sermos liberados.
-Ah... Esqueci de dizer.- Voltou a falar o homem encapuzado, com um tom de ironia. - As suas armas ficam conosco. Voltem para o seu centro logo, antes que escureça. – Dito isso, os militares se rebelaram em resposta, gritando xingamentos e ofensas. Claramente, não os agradava nem um pouco voltar desarmados.
-Vocês não estão em condições de fazer exigências, homens. – Finalizou sorrindo. Era um sorriso assustador.

-Ameaças múltiplas em raio de trezentos metros! Aproximação irregular por norte e sudoeste! – Gritou um dos Lobos Azuis de cima de um prédio. O clima de relaxamento dos encapuzados mudou de repente, e logo eles se agitavam para longe dali. Apenas o suposto líder nos encarou por mais alguns instantes.
-É melhor vocês irem. – O pequeno time de elite correu na direção do veículo, e eu me adiantei a seguí-los. Porém uma mão no ombro me impediu. O homem de capuz me virou em sua direção.
-Leve isto. – Ele disse, enquanto tirava uma pequena faca de suas vestes. –Você parece precisar mais do que eu. –
-Quarenta segundos! – Gritou um dos militares no carro.
   O encapuzado então se afastou, correndo para dentro da loja de conveniências. Parado no posto de gasolina, eu observei a faca por alguns instantes. Os raios do sol se pondo batiam na lâmina, refletindo uma poderosa luz alaranjada. Guardei o objeto cuidadosamente na cintura e corri para o carro. Aquele homem... Havia muita coisa curiosa nele.

sábado, 3 de setembro de 2011

Capítulo 13 - Revelações

   Três dias se passaram. Três dias regados a uma chuva fina e uma ventania gélida que parecia fazer o tempo ficar ainda mais frio do que já estava. Pela manhã, éramos submetidos a testes e avaliações físicas, sem falar dos exames médicos matinais. Tinha também o café da manhã, que era servido até as dez horas. As coisas eram cuidadosamente planejadas naquele lugar.
   William era o médico encarregado de mim. Ao contrário do que eu pensava, o edifício era bem grande, e possuía muitos funcionários também. É claro que eu não sabia o número certo, mas cada médico tinha uma quantidade pré-determinada de pacientes que deveriam atender.
   Durante o período da tarde, eles nos deixavam um pouco ao ar livre, como se fôssemos detentos. Talvez fosse para dar um ar mais humano ao local, ou talvez para que a gente não pirasse lá dentro. No fim, não importava muito. E assim se passavam os minutos, as horas, os dias... Três dias. Dias que mais pareciam um ano.
   O pátio de recreação era como o espaço aberto de uma prisão de segurança máxima. Grades e cercas eletrificadas se expandiam por toda a delimitação do local. O arame farpado era um aviso bem claro de que não haveria tolerância para com a desobediência. Foi de fato um alívio, quando no primeiro dia eu encontrei a todos no pátio. Graças a... Graças a eles mesmos, estavam vivos.
   O número de pessoas presas naquele lugar era bem maior do que eu havia pensado. De dimensões inimagináveis, o edifício de trinta andares também se estendia para o subsolo. Eu me lembrava de William me contando tudo aquilo.
   Sentado ao canto da cela, eu me lembrava de tudo o que havia acontecido na última semana de catástrofe total. Foi tudo de repente, aconteceu rápido demais. Pessoas morrendo ao meu redor, pessoas gritando. E a pior parte de tudo era que eu estava ficando nostálgico. Talvez louco. Louco. Eu gargalhava sozinho enquanto pensava nessa possibilidade.

-Matheus, por que está sorrindo? – Perguntou Lucas, com uma expressão de dúvida. O sol nascia havia nascido no horizonte há pouco mais que meia hora. Sim, a rotina era rígida por lá. Olhei para o meu colega de cela, tentando passar confiança.

-Nada demais, você não deve se preocupar com isso. Aliás, você não deve se preocupar com mais nada. – Eu dizia, corajosamente. – Nós dois vamos fugir daqui hoje. Aliás, é melhor avisar ao grupo todo. Cansei desse lugar.

-Como é?!

-É exatamente o que você ouviu. Eu vou embora e vocês vão vir comigo.

   Deixando o ar autoritário da última fala de lado, não tinha nada demais no que eu havia dito. Todos já esperavam um plano de fuga da minha parte, principalmente Lucas, que me conhecia bem. De qualquer forma, eu havia avisado sobre meus planos. Porém naqueles últimos dias fui impedido pelo clima ruim. Naquele dia, diferentemente dos demais, o céu estava claro, iluminado.
   Um chacoalhar de chaves foi ouvido. Ao me virar, deparei-me com um soldado uniformizado que nos convidava para o café da manhã. Lucas logo saiu da cela, acompanhado por outro funcionário.

-Preciso falar com o William. – Avisei assim que o militar olhou para mim. Depois de me ouvir, o soldado não parecia nem um pouco disposto a atender o meu pedido. Eu precisava ser um pouco mais sutil. – Eu necessito falar com o doutor Brooks imediatamente.

-E isso é jeito de falar comigo, moleque? – Perguntou o homem exaltado. Levantou a arma e avançou em minha direção, como se quisesse me dar uma coronhada com seu M4A1.

-Sanchez, se afaste do civil agora mesmo. – Dizia uma voz calma oriunda do corredor. Eu conhecia aquela voz. William apareceu por detrás dos vidros de minha cela. –Queria falar comigo, rapaz?- Perguntou diretamente a mim. Acenei positivamente com a cabeça e nos retiramos do local.
  Pude sentir o olhar com ódio daquele tal de Sanchez me perfurar as costas. Devia estar rangendo os dentes de raiva, aquele arrogante. Caminhei ao lado do médico calmamente pelos corredores, sem dizer uma palavra. Brooks, parecendo saber que a conversa era particular, me guiava para a sala de exames.

[...]
   As duas portas se abriram me dando a visão do interior da sala. Estava como sempre, arrumada. Os tubos de ensaio guardados dentro de um freezer pequeno ao canto, a maca posicionada bem no centro do ambiente. Havia também, é claro, o famoso espelho que se estendia por uma parede inteira.
   Antes que pudéssemos adentrar a sala, apareceram em nossa frente uma enfermeira e outro paciente como eu. Tinha uma aparência familiar. Era branco, meio calvo no alto da cabeça, apesar de sua juventude. Talvez fosse... Não. Era ousado demais imaginar que o meu professor de matemática ainda estivesse vivo. Seria muita coincidência.

-E então, 492, o que é tão importante? – Perguntou William para mim, despertando-me de meus pensamentos. Os funcionários costumavam chamar os pacientes pelo número de cadastro de cada um deles. Era como um procedimento padrão para evitar o apego entre eles.
-Brooks, sinceramente eu preferia que você me chamasse pelo meu nome. – Em resposta, o médico sorriu ironicamente.
-Você não tem preferências aqui. Pensei que já tivesse percebido isso. E então, o que quer?
   Respirei fundo por alguns instantes. Aquela grosseria por parte dele foi imprevisível. Mas isso não poderia me abalar nem um pouco, qualquer erro emocional poderia ser prejudicial ao meu plano.

-Eu sei a cura.
-Ãnnh? – William pareceu surpreso. Pude ver seus olhos se arregalarem por baixo de seus discretos óculos meia lua. –Cura? Você por acaso sabe alguma coisa dessa doença?
-Mais do que você imagina, porém menos do que eu queria saber. Conheci uma mulher na cidade que recebeu mais de três mordidas superficiais, e continuava sã depois de um dia inteiro. Ela não se transformou como os outros. Na verdade, a cicatrização daquelas feridas foi algo fenomenal, eu diria. – Cada palavra do que eu dizia era um blefe. Todavia, as minhas palavras pareciam surtir efeito enquanto eu olhava Brooks boquiaberto.

   Sem saber o que fazer, William me fitou por mais alguns instantes. Envolto em seus próprios pensamentos, pegou sua inseparável prancheta e começou a ler. Leu todos os escritos por um bom tempo, como se procurasse qualquer coisa que lhe ajudasse naquele momento, e então se dirigiu até o freezer no canto.
  Pegou uma amostra de um líquido qualquer que eu não reconhecia e veio até mim. Agachado ao meu lado, William falava baixo, como se não quisesse ser ouvido por mais ninguém.
-Essa daqui... - Disse ele indicando o tubo de ensaio, preenchido com um líquido azul. -... É a melhor amostra que eu tenho até agora. Eu não mostrei a ninguém ainda porque não gosto da finalidade da CCAB. Essa belezinha aqui, se você injetar em alguém, não vai matá-la ou tampouco curá-la. Os indivíduos cujos receberem uma dose disso, por menor que seja, vão ter todo o seu organismo reiniciado, como aqueles infectados lá fora. Mas terá a mente sob controle. Saberá o que está fazendo, ao invés de se comportar como um animal doentio. Imagine só as possibilidades! – Dizia ele sorrindo. – É como o elixir da vida, ou a maldição da imortalidade. Fica a critério de cada um.
   Olhei para ele durante alguns momentos. Apesar de não ter percebido, Brooks havia deixado um mistério no ar.
-Por que não gosta da CCAB?
-Não quero e nem posso falar sobre isso com você. Mas de qualquer forma, o que eu quero dizer, é que isso daqui é o meu orgulho. Todas as qualidades de um infectado, sem ser um deles. Você pode se ferir em diversos lugares do corpo sem sentir dor, sem sentir nada. Pode ficar sem respirar por tempo indeterminado. É o que eu disse. Basicamente, você é um deles sob controle. Me desculpe se estou sendo redundante.
-Ãnh... Tem algum efeito colateral? – Pude notar William escondendo um sorriso, como se admirasse a minha curiosidade pelo assunto.
-Uma leve descoloração dos olhos, aumento gradativo da agressividade e também uma perca grave de coordenação motora, principalmente para movimentos mais precisos. Mas nada que não possa ser controlado.
  Pensei por alguns instantes. Se ninguém sabia daquele novo medicamento, como Brooks o havia estudado tão objetivamente nos últimos dias? Ainda mais quando se tem trabalhado em tempo integral... Tentei segurar a minha curiosidade por um pouco mais de tempo, mas isso logo se tornou impossível.
-Como você sabe de tudo isso? Quem você usou como cobaia? – O médico não pode deixar de demonstrar certo arrependimento, misturado com dúvida.
-Eu mesmo.
-Caramba! – Exclamei surpreso. –Mas você é médico! Como pode ter uma grave falha na coordenação motora? Vidas dependem da precisão de suas mãos!
-Alto lá, garoto! Eu sou médico, não cirurgião. E é como eu disse: Nada que não possa ser controlado. – Ele respondeu, obviamente pondo um fim ao assunto. – Enfim, Matheus – Ele retomava a palavra, dando ênfase a exposição de meu nome na fala. – Eu estou disposto a te fornecer um comboio de meia dúzia dos meus melhores soldados, tudo para que você traga essa mulher até aqui. Ou pelo menos uma amostra do sangue dela. É tudo o que eu te peço. Mas agora, volte aqui com qualquer coisa pior do que essa amostra que eu já tenho e eu te mato por arriscar a vida de meus homens. Entendido?

   Engoli seco após ouvir as duras palavras saindo da boca de Brooks. Eu sabia que ele não iria tolerar uma decepção. Apesar de tudo ser um blefe, eu precisava mostrar confiança. Mais do que eu jamais imaginei, eu estava interessado por aquele vidrinho repleto de líquido azul nas mãos do doutor.

-Como vou saber que isso não é um blefe? Como vou saber se o que você tem nas mãos é mesmo uma cura ou apenas um corante?
 
   William me fitou por alguns segundos com um olhar de reprovação. Depois de alguma reflexão, ele levou uma das mãos até o rosto e pareceu, por alguns instantes, tentar tirar algo de um dos seus olhos. Assisti impotente ele tirar uma lente de contato de cor escura. Seu olhar era quase hipnotizante. Durante alguns instantes, Brooks me fitou com seu olhar vazio. A retina parecia descolada, sua íris era levemente amarela. Agora eu tinha certeza: Pelo menos ele, não estava mentindo ali.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

David da Silveira

Idade: 15 anos

Descrição física: Cabelo Preto Curto, 1.70, 57kg.

Descrição psicológica; Luto karatê (faixa marrom), eu sou inteligente e fissurado em jogos e filmes de zumbis. Tenho uma katana e luto muito bem.
História:

    Eram três horas da manhã, e eu como de costume, estava assistindo filmes sobre zumbis, quando de repente meu pai abriu a porta do meu quarto e começou a gritar:
-Moleque, desliga já essa merda de computador e vai dormir, daqui a pouco você tem aula!
   Escola era uma coisa que não me interessava mais. E eu tinha os meus motivos para isso. - Ta bom, você acredita mesmo que eu vá pra aula? – Respondí, com um tom de arrogância.
   Fechei a porta do quarto e fui me deitar. Acordei já eram 8 horas da manhã e não tinha mais ninguém em casa. Agora mesmo que eu quisesse, não poderia ir para a escola. Como não tinha ido pra aula, resolvi ir à academia treinar um pouco.
   Quando estava indo para a academia, me deparei com um homem tentando assaltar uma mulher. Lembrei dos meus conhecimentos de karatê de como desarmar uma pessoa. Eu sempre tive a mania de bancar o herói. Intervi no assalto e desarmei o assaltante. Nesse momento, a porta de um carro se abriu do outro lado da rua. Um homem apareceu armado, parecia mirar em mim com uma pistola.

-Merda, era uma dupla! – Sem reação, ouví o som do disparo. O tiro me pegou em cheio no peito. Caí ao chão, ouvindo minha própria respiração. Deitado, enxergava o contorno dos bandidos se afastando correndo.
[...]
   Pude perceber que havia dormido por bastante tempo, quando percebí que meu corpo estava todo dormente. Abrí os olhos lentamente e notei que estava no interior de uma sala médica. Haviam equipamentos por todo o meu corpo. Ouví um som de batida e notei que a porta estava bloqueada por dentro. Tinha uma cadeira presa à maçaneta, impedindo que a porta se abrisse. Mais atrás, prateleiras caídas no chão.

- Ei David! – Era minha amiga Thais, ela tinha ido me visitar. Provavelmente sabía o que estava acontecendo.

- O que tá rolando?! Porque a porta tá trancada? – perguntei.
Ela parecia não saber como explicar. Tentando se mostrar compreensiva, respirou fundo e falou:
 - Bom, o mundo virou um inferno, as pessoas estão morrendo e voltando a vida, quando cheguei aqui pra te visitar, um homem estava na sala de espera se sentindo mal, de repente ele morreu, não deu cinco minutos e ele levantou e começou a morder as pessoas, eu vim correndo pra cá e joguei aquelas prateleiras na porta pra que ele não conseguisse entrar aqui, foi tudo muito horrível!
   “merda, será que o apocalipse começou mais cedo?” levantei vagarosamente da cama, com muita dor, e abracei minha amiga pra ver se ela ficava mais calma.

- Calma, vai ficar tudo bem.

   Fui até a porta e a abrí lentamente. Lá fora, o corredor estava repleto de sangue, e uma pessoa se afastava mancando. Tirando isso, estava tudo bem.
   Como o hospital fica perto da minha casa, fomos correndo até ela, quando chegamos lá, tudo estava deserto. Não havia ninguém na rua. Entramos em minha casa, pegamos suprimentos na geladeira e nos trancamos no quarto que era dos meus pais pra aguardar notícias. Esperar era tudo o que nos restava.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Capitulo 12 - Quarentena

 
   A minha visão estava embaçada, tudo parecia girar ao meu redor. Eu conseguia apenas distinguir vultos que se moviam a minha volta. Uma pessoa se aproximou e falou comigo. Reconhecí a voz de um amigo na primeira palavra.
-Matheus? Você ta bem, cara?– Lucas me perguntava. A imagem ía aos poucos tomando silhuetas mais definidas para mim. Estávamos em uma pequena sala fechada, atrás de uma grande parede de vidro. A cela tinha um colchão ao canto e uma privada em péssimas condições. A minha cabeça ainda doía bastante. E meu corpo em geral estava dolorido.
    Olhei para mim mesmo: Eu vestía uma roupa completamente branca. Camisetas e calça comprida. Roupas largas, sem nada por baixo. E também estava descalço. Era a mesma vestimenta de Lucas. Eu não me lembrava de ter posto aquela roupa em meu próprio corpo. Eu me sentía limpo, de uma forma que não estava desde o início da infecção.
-Estamos... Presos? – Perguntei, com uma mão no alto da cabeça, no lugar da coronhada que havia levado.
-Eu não diria “presos”. O pessoal daqui falou que era mais como uma quarentena. – Ele respondeu, parecendo confuso.
-Você sabe o que é uma quarentena, Lucas? A gente ta preso de qualquer jeito, cara.
   Somente nós dois estávamos naquela cela. Onde estavam os outros, afinal? Olhei pela janela o dia nublado que estava lá fora. Pelo menos ali dentro nós estaríamos seguros. Segurei-me pela grade para poder ver o que acontecia no exterior: Soldados marchavam por todo o lugar, com armas em mãos. Mais distante, era possível de se ver um heliporto onde havia uma grande movimentação de aeronaves. No alto das torres, atiradores se posicionavam e miravam o horizonte, em busca de infectados. Volta e meia se ouviam disparos.
-Você também passou pela chuveirada? – Lucas me perguntou.
- Ãnh... Chuveirada? Do que você ta falando?
-Quando a gente entrou, os militares nos separaram e passamos por uma forte... Ducha. Nos falaram que era tipo um procedimento padrão. – Lucas levantou a calça até a coxa e mostrou um hematoma. – Até agora eu to com o corpo doendo.
-Ah, então é isso. Eu também to todo dolorido. –
   Em uma cela à nossa frente, estava um senhor de idade sentado em seu colchão. Ele parecia perdido nos seus próprios pensamentos. Por um instante, pensei em fazer-lhe algumas perguntas. Mas a situação dele não era muito diferente da nossa.
   Com um rangido, a porta de vidro da cela se abriu. A porta era tão grossa quanto uma parede de concreto. Um homem estava parado do lado de fora, acompanhado de mais dois guardas. Era um adulto, parecia ter os seus trinta e poucos anos. Tinha o cabelo escorrido e usava óculos. Segurava uma prancheta em uma mão e uma caneta na outra.
-Você – Ele disse, apontando para mim. Tinha uma voz meio rouca, abafada. – Venha comigo. -
  Saí de perto da janela, tentando não demonstrar mau comportamento. Seguí o homem até o exterior da cela. Um dos seguranças trancou a porta enquanto caminhávamos pelo corredor. Era um lugar bem iluminado, pintado em cores claras.
   Andamos até o final do corredor, onde havia um grande portão de metal. De novo eu pude ver as iniciais lá estampadas. Um dos homens me disse para ir na frente, e assim eu fiz. Ao me aproximar, as portas se abriram automaticamente.

   Era uma pequena sala, com uma maca posicionada ao centro. Havia espelhos nas paredes, de onde com certeza alguém estava a nos observar.
-Sente-se ali, por favor. – O homem com a prancheta falou, indicando a maca para mim. Fui até lá. – Olá, meu nome é William, mas me chame de Doutor Brooks. – Ele falava para mim. Tinha um leve sotaque estrangeiro, mas não tão acentuado quanto o dos outros. – Eu vou te fazer algumas perguntas e uma série de exames. Não tente fazer nada contra mim e nem contra a minha equipe. É tudo para o seu bem. Consegue me entender?
-Sim. – Respondí, acenando com a cabeça.
-Que bom. Vou começar tirando um pouco de sangue, okay? – Disse William, enquanto preparava uma seringa. Esperei pacientemente enquanto ele fez todo o procedimento. O homem etiquetou o frasco do meu sangue e guardou-o em uma espécie de geladeira no fundo da sala.
-É um vírus? – Perguntei. William ficou sem reação por alguns instantes. Olhou para o grande espelho na parede, como se esperasse que alguém lhe dissesse o que fazer. Voltou o seu olhar para mim e tirou os seus óculos.
-Olha garoto, é uma situação delicada. Nós ainda não sabemos de muita coisa, e a maior parte do que sabemos é confidencial. – Ele deu um suspiro. – Não queira tornar as coisas ainda mais complicadas. –
   Observei o homem por alguns instantes. O doutor pegou um instrumento médico e voltou em minha direção. Pediu que eu me deitasse novamente e abrisse bem os olhos. Em seguida apontou um pequeno objeto em minha direção e acendeu uma luz, como uma lanterna, que ele apontou para os meus olhos.
   Fizemos mais alguns exames e testes, muito minuciosos. Eu ainda me perguntava se aquilo tudo seria mesmo necessário. Afinal, eu estava bem, não estava?
[...]
   Eu era acompanhado de volta à minha cela por dois soldados. William havia ficado na sala, dizia ele que ‘examinaria o meu sangue’. Pelo caminho, ví o que parecia ser um cadáver numa maca. Estava coberto, podia ser outra coisa. Médicos carregavam-no apressadamente em direção à sala de William.
-Matheus! – Alguém gritou. Olhei para o lado e ví Amanda, em sua cela. Estava acompanhada de outra mulher, adulta. Foi muito rápido, não deu para ver detalhes.
-Andando. – Disse um dos militares para mim, enquanto me apressava.
-Estou bem! – Gritei para Amanda, esperando que me ouvisse. Só tive tempo de interromper a minha queda com os braços. Eu estava dentro da minha cela novamente, um dos soldados ria de mim. Provavelmente o que me empurrara.
-Você. – Disse o outro apontando para Lucas. – Venha com a gente, agora. –
   Meu amigo passou por mim, ele parecia estar com medo. Eu também estava. Era ruim estar subordinado a outras pessoas. Preso em um lugar sem saber o que eles vão fazer, sem saber se você está em segurança ou não.
   Olho pela janela novamente. Ao longe, posso ver alguns infectados, cerca de vinte, se aproximando. Não eram muitos, os atiradores dariam conta em pouco tempo. E assim aconteceu. Depois de algum tempo de mira, como se esperassem que os zumbis simplesmente fossem embora, os militares dispararam, matando todos eles. Ainda tinham muito que aprender.
   Olho para o colchão ao canto. Sem escolha, sento-me nele e aproveito o pouco tempo que temos para poder pensar. Olho para a minha vestimenta. Onde será que estavam as minhas roupas? Devago por alguns minutos, perdido em lembranças e pensamentos tristes.
   De repente, Lucas é empurrado para dentro de novo. Ele tem um sorriso no rosto, está diferente. Diferentemente de mim, ele não caiu ao ser empurrado.
-Cara, eu achei o pessoal. Eles estão bem!
-Você ta falando do nosso pessoal?
-É! A Amanda... O Marcos... Todo mundo. Eles estão na mesma cela, pelo que parece. Eu me encontrei com o João no caminho, ele estava fazendo testes físicos numa esteira. –
   Lembrei de alguns momentos atrás, quando tive de fazer o mesmo. William aumentava e diminuía a velocidade, como se quisesse ver o meu limite.
   De qualquer forma, aquele cadáver na maca não saía de minha memória. Começaram a me vir lembranças da morte de Luís. Eu tinha abandonado ele no meio do caos, e meu amigo não tinha nem como se defender naquela hora... Não era justo com ele. Eu deveria ter ajudado. Minha mãe tinha morrido também, vítima dos disparos desses agentes. Os mesmos que estavam lá fora agora mesmo. O homem no hotel... Foi achado e devorado vivo por culpa nossa. Meu deus... Era tudo culpa minha.
-A gente precisa sair daqui. – Eu disse, olhando pela janela. A luz estava acabando, e a noite chegaria novamente. –Esses caras vão acabar nos matando. -
-Sair daqui? – Lucas perguntou assustado. – Mas estamos seguros! Não viu quantos soldados têm lá fora? E além do mais, para onde a gente iria?
- Você se lembra de quando eu e o Marcos fomos naquela loja de conveniências em Mangaratiba?
-Lembro sim.
- Então... Ele deu um único tiro dentro da loja, para matar um zumbi. Logo depois tinha uma multidão deles correndo para cima da gente. Mas os demais não tinham nos visto, apenas ouviram o disparo. Eles foram atraídos pelo som. – Fiz uma pausa. Lucas parecia perplexo.  – E esses militares estão atirando toda hora. Quando a gente chegou, não tinha nenhum infectado. Agora pouco, tinham vinte vindo para cá. E eles não param de atirar. Vai chegar uma hora em que não vai ter como se defenderem. –
   Lucas parou e pensou no que eu havia dito. Ficou alguns instantes absorvendo as palavras.
-Talvez isso seja verdade, mas eu não tenho certeza de que eles são atraídos pelo som.
-E você quer arriscar? –
   Lucas olhou pela janela, observando os militares lá embaixo. Nas torres, parecia ocorrer uma mudança de turno.
-Ta legal. Mas para onde a gente vai? E como vamos fugir daqui? –
-Para onde estávamos indo antes de nos pegarem? – Perguntei, pensando em nossas possibilidades.
-Eu sei lá... Para um refúgio, talvez.
-É... Pode ser. Mas seria melhor sair da cidade. Procurar algum lugar que não foi infectado. Sobre como a gente vai sair daqui, nós podemos ver isso mais tarde.  Você ta comigo ou não? –
   Eu propus, estendendo o braço. Lucas se aproximou e apertou a minha mão, em sinal de parceria. Sorrí para ele. Um sorriso falso. Tínhamos chances remotas de conseguir fugir dali. Mas o nosso futuro era incerto de qualquer jeito.
- A gente só precisa avisar o resto do pessoal. – Ele lembrou.
-É verdade... Você tem alguma ideia de como fazer isso?
-Não. –
   Entreolhamos-nos por alguns instantes. Lucas parecia disposto a qualquer maluquice para continuar vivo. Isso era bom, era nesse tipo de coisa que ele me lembrava de mim mesmo.
-Eu tenho um plano. – Falei. – Mas você vai precisar seguir à risca, sem hesitar. Ta me entendendo?
   Lucas acenou com a cabeça, ele compreendia a gravidade da situação. Desviei o olhar por alguns instantes. Agora não importava mais se alguém morreria no caminho. Não importava mais se todos morressem tentando fugir dali, pelo menos não faria diferença para mim. Eu já não tinha mais nada a perder. Sinto um sorriso tomar conta de meu rosto enquanto penso em tudo isso.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Capitulo 11 - Novas ameaças

   O Sol se punha rapidamente, enquanto a noite deitava o seu manto de sombras sobre todos nós. Já fazia três dias e três noites desde que tudo aquilo começou. Desde que todos começaram a se matar nas ruas. Os ponteiros de meu relógio já não se moviam mais. Eu havia até esquecido de que tinha um relógio em meu pulso.
  Em relação aos sobreviventes... Agora se tornava cada vez mais raro encontrar alguém que não cheirasse a carne podre e não tentasse nos matar em cada esquina.  Diferentemente do primeiro dia, agora nós tinhamos tempo para pensar nas coisas. Pensar e lamentar pelas decisões que havíamos tomado. O homem do hotel não saía de minha cabeça. Ele tinha morrido por nossa culpa.
-Acho melhor fazermos uma fogueira para passar a noite. – Marcos falou, enquanto observava de pé o pôr do sol.
-Eu sei como acender uma fogueira. E também tenho conhecimentos de sobrevivência em geral. A gente pode ficar aqui por algumas semanas, se quiserem. – Lucas disse.
-Valeu MacGyver, mas não será necessário. Eu tenho um isqueiro comigo. - Marcos tirou um Zippo de sua jaqueta. O isqueiro tinha um anjo desenhado em alto relevo do seu lado direito. O anjo da morte. – Além do mais, a gente não vai poder passar muito tempo aqui. Logo eles vão sentir o nosso cheiro, e vão aparecer zumbis por todo o lado. –
- Eu e o Matheus vamos buscar lenha. – Amanda falou. Marcos deu um sorriso malicioso enquanto verificava a munição de sua pistola.
   Lucas e João continuaram a conversar em um canto mais afastado enquanto nós dois caminhávamos matagal adentro. Ela tirava a vegetação do caminho com o seu machado, enquanto eu apenas a acompanhava.
-Acho melhor pegarmos um pouco dessa palha mais fina aqui. – Ela disse, apontando para um punhado de capim seco. –Daria uma boa mecha, não acha?
-Mecha? Você entende de fogueiras, também? – Perguntei surpreso.
-Eu saía para caçar com o meu avô de vez em quando. Ele me ensinou tudo o que eu sei. – Ela disse sorrindo. Avistei alguns gravetos mais distantes que fui recolhendo. -Mas e você? – Amanda continuou. – Qual é a sua história?
   Contei a ela tudo o que havia acontecido até o momento em que a conhecí. Falei de todos os que eu assistí morrer, revivendo cada detalhe daqueles tristes momentos. Falei de Renan, e que eu ainda acreditava que ele estivesse vivo. Contei a ela tudo o que eu conseguí me lembrar.
   Amanda me olhou demonstrando certa compaixão. Entendía a minha tristeza, porque sentía o mesmo que eu. Provavelmente ela deveria saber o que é perder um ente querido. Qualquer um de nós sabia.
   Andei alguns passos em sua direção, carregando a lenha que havia recolhido. Além dos gravetos, tinha pegado também uma tora de madeira que deveria sustentar o fogo por algum tempo. Amanda segurava um bocado de palha fina.
   A noite havia chegado. O céu estava limpo, e a lua brilhava fortemente. Era uma noite estrelada. Acendí a lanterna e iluminei o caminho de volta. Retornamos calmamente pelo mesmo caminho e encontramos todos reunidos, conversando. Estavam parcialmente iluminados pela lanterna traseira do veículo parado.
   Marcos estava sentado sobre a mala de seu carro, com a inseperável garrafa de uísque ao seu lado. Lucas e João estavam de pé. Eles gargalhavam alegremente enquanto uma música saía do carro pela porta aberta.
-Ora, ora... Os pombinhos estão de volta! – Lucas exclamou. Notei que ele segurava um copo de bebida, assim como João. Os dois demonstravam leves sinais de embriaguez.
-Que droga, Marcos! Eles nem tem idade pra beber ainda! – Eu reclamei.
-Não fui eu quem oferecí. Eles dois pediram, e eu não tinha motivo para negar. Agora não tem isso de idade. Bebe quem quiser e acabou. –
   Sem argumentos para uma discussão, comecei a montar uma fogueira. Amanda havia ficado no carro, descansando um pouco. Aquele devia ter sido um dia bem agitado para ela. Pelo menos para mim, foi.
[...]
   Marcos e o resto do grupo estavam sentados em volta da fogueira, assando marshmallows e conversando. Abrímos um pacote de batatas fritas que iríamos comer enquanto o sono não chegasse.
   Amanda saiu do carro após cochilar por pouco mais de uma hora. João estava contando sobre sua família, falando sobre as viagens que costumava fazer. Eu não estava nem um pouco preocupado em ouvir o que ele dizia. Com o crepitar da fogueira, vinham lembranças de minha mãe. A mãe que eu havia perdido. Ví Lucas se levantando.
-Tive uma ideia, pessoal. Que tal a gente contar a nossa história de sobrevivência? Assim passamos o tempo e aproveitamos para nos conhecer melhor. – Ele sugeriu, enquanto olhava para nós. Todos concordaram com a ideia, e assim começaram as histórias.
   Amanda quis começar, e aumentou um pouco o tom de sua voz para que fosse ouvida por todos. Cabisbaixa, ela demostrava certa tristeza em narrar os acontecimentos.
-Bom... Tudo começou em Angra. Pelo menos para mim, começou lá. Eu estava na escola, era um dia normal de aula. Foi quando as coisas mudaram. Um cara entrou na minha sala e simplesmente mordeu uma amiga minha que estava sentada em seu lugar. Jorrou muito sangue. – Uma lágrima percorreu o rosto de Amanda enquanto ela contava a história. – Ainda me lembro de ouvir os gritos da Clarinha. Todos correram desesperados, tentando sair da escola. Quem tropeçasse acabava caindo, e quem caía era pisoteado. Dava pra ouvir as costelas quebrando, foi horrível... Foi horrível... –
- Você não precisa falar se não quiser. – Lucas disse, preocupado com a situação de Amanda.
-Não... Eu vou continuar. – Ela respondeu, limpando as lágrimas com a camisa. - Então eu corrí para a minha casa, sem levar mais nada. Ficava a mais ou menos vinte minutos da escola. Eu cheguei em cinco. Tive o azar de encontrar o meu pai atacando toda a familia. Foi um caos total. Ele já tinha mordido quase todo mundo quando meu avô atirou nele com a escopeta... Mas meu pai se levantou e atacou ele também. Eu só me lembro de ouví-lo dizer para eu vir para a capital, que seria seguro aqui. O resto da história vocês já sabem.
-Sim, nós sabemos. – Disse João, com a expressão abalada. Passamos alguns segundos em silêncio, pensando em sua história.
-Bom... Acho que é minha vez agora. – Marcos se pronunciou. – O início para mim não foi assim tão assustador, porque não assistí ninguém próximo a mim morrer. Então tive a sorte de poder ver tudo com mais calma e estabelecer um plano. Fiquei em casa por muitas horas, esperando que os noticiários dessem boas notícias. Mas foi um mero engano. As coisas apenas pioravam. Ao ver que as evacuações tinham sido canceladas, eu decidí sair de casa. Peguei a minha antiga pistola e acelerei pelas ruas da cidade. Foi aí que pude perceber a verdadeira situação das coisas: No centro da cidade, tudo ardía em chamas. Em Madureira, bairro da capital, havia um trem virado no meio da cidade. Corpos em todos os lugares. Militares corriam e tentavam salvar as pessoas. Em certo momento, eu tentei ajudar... E então pude ver algo que me deixou realmente abalado: Nas fronteiras da cidade, uma criança de mais ou menos sete anos corria em meio à multidão de pessoas tentando passar pelos muros de quarentena. De repente, sem aviso prévio, atiradores começaram a disparar contra os cidadãos. Eles estavam em cima de prédios, com armas equipadas de miras telescópicas. Não havia sequer a chance para revidar. As pessoas íam morrendo uma a uma. E os infectados correndo entre elas. Eu me escondí atrás de um carro, e chamei o menino para vir comigo. Ele apenas me olhou... E foi nesse momento que foi atingido. Morreu antes de cair no chão, com um tiro no peito. –Marcos fez uma pequena pausa. - Isso aqui é dele. – Continuou, tirando um colar de um dos seus bolsos. Em letras de forma, o nome Pedro estava forjado no metal. - Até hoje, penso que eu deveria ter salvado a criança. – Ele finalizou, abaixando a cabeça.
-Está tudo bem, cara. A gente entende você. – Lucas falou, dando leves tapas em suas costas. Eu estava desanimado, e sem a intenção de contar toda a minha história de novo. Então me distanciei um pouco da fogueira e dormí sobre uma cama de palha que havía feito.
   Eu estava em um corredor bem iluminado. Havia uma silhueta humana no final. Era um boneco de papelão com alvos na cabeça e no peito. Entre mim e ele, estava uma pequena mesa branca da altura de minha cintura.  Pelo chão, havia uma marcação, com diversas placas que indicavam a distância. 5, 10, 15 metros... O boneco estava a 20 metros de distância.
-Quando você quiser. – Renato disse, atrás de mim. Abrí a caixa de madeira sobre a mesinha e peguei uma faca. Virei-a e segurei então pela lâmina, fazendo mira. Respirei profundamente por alguns segundos. Eu sabía que Renan estava me observando. Lembrando-me de todos os treinos que havia feito, calculei a velocidade de rotação da faca, e também a distância. Em um impulso, arremessei-a.
   Assistí a faca voar com uma enorme expectativa. Era o meu momento. A lâmina penetrou o boneco sem esforço, próximo ao centro do alvo no peito. Tiro perfeito.
-Boa! – Exclamou Renato. - Agora pegue a faca e traga ela de volta enquanto eu vou dar as instruções de arremesso para o Renan. –
   Adiantei-me em direção ao boneco no final do curto corredor, com passos lentos. Renan estava ansioso para aquele dia, por quê? Tirei a faca do alvo, medindo a profundidade do ferimento.
   Voltei para a posição inicial, onde Renato dava as últimas instruções para Renan. Limpei a lâmina e coloquei-a sobre a pequena mesa com cuidado. Em seguida me recostei a parede atrás deles para observar o lançamento de Renan.
   Ele se concentrou por alguns instantes. Respirou fundo e mirou. Arremessou a faca com vontade: Outro disparo certeiro. Renan virou-se para mim com um sorriso estampado em seu rosto. “Acertei” Ele murmurou para mim. Eu sabía que aquele sorriso não era apenas uma comemoração.
   Um barulho de motor cada vez mais alto se aproximava, o som era quase insurdecedor. Abrí os olhos, que logo foram ofuscados pela luz do dia. Escondí o rosto atrás das mãos por alguns instantes até conseguir enxergar. Por entre os dedos, eu observei a cena: Helicópteros militares voavam rasantes, eram dezenas deles. O som das hélices apenas aumentava. Homens armados com trajes especiais observavam a cidade pelas portas abertas, em uma cena quase surreal.
-Aqui! – Amanda gritava, de pé em cima de nosso carro parado, sacudía os braços tentando atrair a atenção dos militares. As aeronaves passavam por cima de nossas cabeças sem demonstrar nenhum sinal de preocupação conosco. Marcos observava a toda aquela cena sentado sobre o asfalto, com a pistola em mãos.
   De repente, um dos homens apontou arma para nós. Eu pensei que fosse apenas algum tipo de aviso para que não agíssemos contra eles, mas só tive tempo de me jogar para dentro do matagal. O homem fez a mira e disparou uma rajada de forte poder de fogo contra o nosso grupo. Pude ver Amanda correr para longe, enquanto as balas de calibre. 50 penetravam o concreto atrás dela.
   Em estado de choque, fiquei parado enquanto olhava o comboio aéreo se afastar. Tudo ficou em silêncio, como se não existisse mais som nenhum por alguns instantes. Eu observava a estrada por trás do mato, escondido e abaixado.
-Ta todo mundo bem? – Marcos perguntou. Ele estava deitado a alguns metros de distância da pista, envolto pelo capim alto assim como eu. Saí do meu abrigo para ver a situação de Amanda. Ela estava sentada, próxima a fogueira da noite anterior. Olhava para suas próprias mãos, tremendo muito.
-Qual o problema desses caras?! – Ela disse, antes de desabar em choro. Abracei-a e pedí que mantesse a calma.
-O que será que eles vieram fazer aqui? – Perguntou Marcos, enquanto se aproximava. –Não é muito inteligente enviar uma tropa tão grande para o foco da infecção. Eles não arriscariam tantas vidas sem um bom motivo.
-Você acha que eles têm um bom motivo para estar aqui? – Lucas estava intrigado.
-Sim. Mas como vocês viram, com certeza não é por nossa causa. É melhor evitarmos qualquer contato com esse tipo de gente, agora que já vimos o que eles são capazes de fazer. 
-Por que você não atirou neles? – Perguntei.
-Para sermos aniquilados? Não, obrigado. Com a visão aérea eles matariam todos nós sem a mínima dificuldade. Aqueles foram apenas disparos de advertência. Mas pelo menos agora nós sabemos que vamos precisar manter certa distância...
   Marcos interrompeu sua fala ao ouvir o som de motor novamente. Dessa vez ele se aproximava por terra. No horizonte, surgiam furgões pretos. Muitos deles. O plano de evitá-los não parecia ter dado muito certo.
-A gente precisa se esconder! – Lucas gritou, enquanto corría para fora da estrada. Marcos pensou um pouco.
-Se a gente se esconder, eles vão ver o meu carro e nos procurar. Estarão em alerta enquanto nos procuram, atirando em qualquer sinal de movimentação.
-Mata eles então! Eu não quero morrer aqui desse jeito. – Amanda disse exaltada.
-Atirar contra eles? Já viu quantos são? Se você não notou, eu só tenho uma pistola. E eles estarão com armamento muito superior. A nossa única chance... É esperar.
   O comboio agora estava mais próximo. Marcos levantara as mãos um pouco antes de os carros pararem diante de nós. Uma porta de correr se abriu na lateral do veículo. Desceram dois homens armados que miravam em nós. Vestiam roupas especiais, como aquelas contra radiação.
   Usavam fuzis M4A1, equipados de lunetas. Armas feitas para a guerra, utilizadas por muitos exércitos do mundo. Os dois homens se aproximaram lentamente, com as armas prontas para atirar.

-Hands up! – Gritou um deles, com a voz abafada. Vendo que seu comando não havia sido entendido, ele tentou novamente.
-Vocês parrados aí, coloquem as mãos para cima – Ele disse, com um pesado sotaque estrangeiro. Obedecemos a sua ordem e então eles se aproximaram ainda mais. Adiantaram-se na direção de Marcos e algemaram-no. Um deles tirou uma pequena lanterna da roupa e acendeu apontando para o olho dele, como se o examinasse.
   O procedimento se repetiu com todos nós, e então eles nos levaram para o carro. Logo na porta do veículo, um deles nos revistou. Tomaram a minha faca e a arma de Marcos. O restante não estava conosco naquele momento. O machado e a Katana haviam ficado no acampamento provisório. Pude ver as conhecidas iniciais CCAB pintadas em branco no exterior do furgão.
-É só isso? Estamos resgatados? – Amanda perguntou, enquanto nos sentávamos dentro do carro, apertadamente. Um silêncio permaneceu no ar por alguns instantes. Marcos olhou para ela, pensativo.
-Eu não acho que seja isso. –
-Sem converrsa! – Um dos homens gritou do banco da frente.
   O carro tremia conforme acelerava pelo caminho. Nenhum de nós sabia para onde estávamos sendo levados, e a situação se tornava cada vez mais apavorante. Eu sempre fui bom em manter a calma em momentos desesperadores, e isso era até um defeito meu em alguns momentos. Mas foi essa capacidade que me permitiu dormir naquele momento, enquanto esperava pelo desconhecido.

[...]
   Sentindo uma forte dor em meu braço direito, acordei olhando para o concreto. Eu estava deitado no chão, do lado de fora do carro. Estavam todos de pé ao meu lado, caminhando em fila indiana sob o comando de um soldado que continuava com a arma apontada. Será mesmo que eles nos consideravam uma ameaça? Estávamos em um enorme lugar fechado, com cercas em toda parte, onde marchavam soldados de um lado para o outro.
   Cerca de cinquenta metros à nossa frente, havia um enorme edifício, que se assemelhava a uma prisão. Sentí mãos me pegarem firmemente os braços enquanto me levantavam do chão, sem a mínima paciência. Eu estava algemado com as mãos para trás, sem reação. Virei-me contra o agressor e dei um chute na altura de sua barriga. O homem sofria com a dor enquanto eu corrí na direção oposta. Logo muitos deles estavam me perseguindo por dentro do cercado. Tentei correr o mais rápido que pude, porém a única coisa de que me lembro, é a visão de um soldado que corría com uma arma em minha direção. Sentí um forte impacto no alto da cabeça, e então tudo ficou escuro.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Capitulo 10 - Ainda há esperança

 
   -Ela precisa de água. – Eu disse, enquanto observava ainda assustado aquela pessoa que me abraçava tão fortemente. Sentí o calor de seu corpo junto ao meu. Aguardei alguns instantes até que ela me soltasse. Sem dizer nada, a desconhecida apenas nos observou por alguns segundos.
  Era branca, de cabelos lisos e cumpridos. Tinha olhos castanhos claros. Vestía uma calça jeans, uma blusa preta e calçava um allstar.
  Uma brisa leve soprava pela rua, ainda estava um pouco frio. O Sol iluminava aos poucos a cidade, mas até o momento, não era o suficiente para aquecer.
   Marcos me jogou uma garrafa de água, que apanhei no ar. Tirei sua tampa e tomei uma golada para verificar a temperatura. Estava ideal, bem geladinho.
-Quer? – Perguntei, indicando a garrafa em minha mão. A menina me olhou. Ela parecia um tanto desconfiada. Depois de pensar um pouco, acenou com a cabeça dizendo que sim.
   Deixamos que bebesse toda a garrafa, o que não demorou muito. Ela devia mesmo estar com muita sede, e não seria justo negar-lhe água naquele momento. Analisei um pouco a cidade, que parecia acordar. Eu não fazia nem ideia de onde estávamos. Começava a me sentir vulnerável ali.
-Muito obrigada. Eu estava mesmo precisando... – A garota disse, enquanto secava a boca com a costa das mãos.
-Olha! Ela fala! – Disse Marcos com ironia.
-Eu falo... Ando... Mato pessoas que me irritam... – Ela retrucou.
-Ok, então... Vamos nos acalmar, beleza? Acabamos de nos conhecer. – Interví naquilo antes que se tornasse uma briga.
-Eu estava só brincando, foi mal. – Disse Marcos. A menina sorriu.
-Meu nome é Amanda. Como vocês se chamam?
   Eu e Marcos nos apresentamos. Logo depois, ele nos apressou a entrar no carro. Em pouco tempo os disparos atrairiam mais zumbis para aquele local, e ninguém queria ter outro encontro forçado com os infectados.
   Adentramos o veículo, nos apertando um pouco para que coubesse todo mundo. Lucas e João pareciam surpresos com a nova integrante de nosso pequeno grupo de sobrevivência, se é que eu poderia chamá-lo assim.
   Marcos procurava desesperadamente pela chave nos bolsos de sua calça. Eu conseguía enxergar contornos humanos que vinham em nossa direção. Surgiam de becos, pela rua, do interior das lojas. Dessa vez eles eram zumbis... E eram muitos. Ao nos avistar, alguns dispararam uma corrida em nossa direção.
-Liga a porra do carro! – Lucas gritou. Ele olhava para trás, observando os inimigos que se adiantavam em nossa direção.
-Vai! –João entrava em pânico. De fato estávamos todos nervosos. Marcos ainda não havia encontrado a chave do veículo. Notei que em certo momento ele parecia se lembrar de algo, e então desistiu de procurar. Ele parecia frustrado e decepcionado consigo mesmo.
-Eu deixei na loja! –
   Sem hesitar, ele saiu do carro e correu na direção do estabelecimento comercial. Deixando a porta do veículo aberta, Marcos correu apressado até o balcão. Os desmortos estavam cada vez mais próximos. Eram dezenas deles. Logo estavam cercando o carro, batiam nas janelas, tentando nos alcançar. O vidro começava a estilhaçar, sob respingos de sangue. Um dos desmortos tentou entrar pela porta do motorista, que eu tive a sorte de conseguir fechar a tempo. Alguns infectados andavam em direção à loja de conveniências. Percebí que a situação era ruim quando ví a arma de Marcos sobre o painel.
-Ele ta fudido, nem tenta. – Disse Amanda.
-Sem ele a gente não sai daqui! – Lucas respondeu.
   Fiquei alguns instantes pensando no que fazer. As janelas não aguentariam por muito tempo, eu precisava ajudar o Marcos, sobretudo porque ele estava com as chaves. Peguei a pistola e fiz mira no desmorto que tentava quebrar a janela do motorista. Todos olhavam para mim naquele momento. Lucas acenou com a cabeça, me incentivando.
   Destravei a arma e disparei três vezes pela janela, que ficou perfurada e rachada em diversos pontos, mas inteira. Dois zumbis haviam caído mortos do lado de fora. Saí do veículo e fechei a minha porta. Disparei contra alguns infectados que correram em minha direção, sem conseguir matá-los. Fui em direção à loja de conveniências.
   Marcos estava ao canto da loja, tentando manter a distância com pelo menos sete zumbis que o cercavam. Ele estava apenas com um cabo de vassoura metálico em suas mãos. Deferia golpes certeiros contra os desmortos que avançavam sem hesitação.
   Eu me aproximei disparando contra os zumbis, que foram caindo um a um. Acabei gastando mais balas que o necessário, mas eu não era profissional. Retirei e recoloquei o pente para checar a munição. Travei a Taurus PT 59 e entreguei-a ao seu dono. Ele largou o cabo de vassoura que segurava.
-Valeu. – Marcos dizia enquanto guardava a arma na cintura. –Agora vamos sair daqui. –
 -Ta com a chave aí? – Perguntei. Ele levantou sua mão direita, deixando à mostra um molho de chaves. Andamos na direção da saída e nos deparamos com uma situação caótica: O carro estava cercado por infectados que tentavam atacar a todos em seu interior.
-Mas que droga... – Eu disse. Marcos já fazia mira, segurando firmemente sua pistola. O problema era que mais zumbis estavam vindo. Dessa vez em nossa direção. Eu e Marcos estávamos mais expostos, longe de qualquer proteção física. Peguei o cabo de vassoura que estava no chão e aguardei pelos infectados.
   Ao meu lado, diversos disparos foram executados, enquanto Marcos se aproximava andando de nosso veículo. Os zumbis caíam rapidamente, Marcos parecia não errar um único tiro. Depois de alguns segundos, o veiculo estava livre de ameaças, e corremos para dentro dele.
-Finalmente vocês chegaram! Estavam namorando lá dentro?! – Perguntou João atônito. Marcos ligou o carro e acelerou para longe dali, cantando pneus. O carro passava velozmente pelos zumbis que tentavam alcançá-lo. Sentí um solavanco quando atropelamos um desmorto que atravessou o nosso caminho.
-Você quebrou a minha janela?! – Perguntou Marcos exaltado, quando viu as marcas à bala feitas por mim.
-Eu precisava sair do carro, ué! – Respondí. Ele me olhou por alguns segundos e respirou profundamente, como se tentasse manter a calma.
   Marcos travou a arma e me pediu que a guardasse no porta-luvas. Analisei por alguns segundos a Taurus, antes de colocá-la no lugar. Eu sempre fui aficcionado por armas, mas desde que tudo isso havia começado, eu não tinha tempo para analisá-las tanto quanto costumava fazer.
-Alguém sabe em que diabos de cidade nós estamos? – Perguntei.
-Mangaratiba – Respondeu Amanda. Todos permaneceram em silêncio por alguns instantes. Até eu me lembrar de algo. Ainda estava curioso sobre a
-Marcos... O que você quis dizer com “Todos os ônibus saíram de rota”? – Ele me observou por alguns instantes.
-Construíram um muro em volta da cidade. No início os ônibus de evacuação podiam passar, mas quando Minas e São Paulo foram atingidos pelo vírus, o governo fechou todo o acesso de entrada e saída das regiões infectadas.
-O vírus saiu do Rio?! – Amanda perguntou, parecendo nervosa.
-Não apenas saiu. Na madrugada de ontem, a presidente decretou estado de epidemia em diversos estados da região sudeste. – Marcos tomou uma golada do uísque guardado no carro.
-Que merda! – João exclamou. – Quer dizer que estamos presos nesse inferno?
-É... Parece que sim.
   Marcos saiu da cidade e rumou à capital do Estado. O caminho foi de todo calmo, porém tivemos de passar por muitas barricadas e proteções abandonadas. O exército havia lutado até o último homem. Tinham corpos na estrada, já em avançado nível de decomposição. O cheiro de podre era insuportável.
   Havia viaturas abandonadas pela pista. Alguns dos corpos tentavam rastejar para longe dali. Seus corpos estavam tão danificados que não podiam sequer ficar de pé. Marcas de sangue eram vistas em todo o lugar.
   Já estávamos no carro há horas. No meio do caminho, eu havia tirado um tempo para cochilar, enquanto os demais conversavam sobre assuntos alheios. Eu estava cansado, afinal era a única pessoa que não havia dormido pela noite. Sem contar o Marcos, que eu não sabía. Após algumas horas de sono, abrí os olhos vagarosamente.
   Levantei a cabeça e ví pela janela que estávamos passando por uma praia. Observei o mar, a areia deserta. A outra mão estava completamente congestionada. Os carros eram abandonados na pista, as pessoas queriam sair da cidade o mais rápido possível. Porém a nossa via estava deserta, não tinha sequer um carro em nosso caminho.
  
-Gente... Alguém pode me explicar por que estamos na capital? Na segunda cidade mais populosa do Brasil?- Eu perguntei para todos, pensando na quantidade de infectados da cidade. Marcos tinha outro cigarro na boca. Soltou uma baforada de fumaça pela janela.
-Vamos procurar sobreviventes, parceiro. Quanto mais gente, melhor. – Refletí naquelas palavras por alguns momentos. Talvez ele estivesse certo, mas não era arriscado demais procurar justo na capital? Antes que eu pudesse perguntar algo, ele completou sua resposta. –Quanto maior a cidade, maior é a chance de ter alguém vivo nela. –
   Porém era uma via de mão dupla. Apesar de podermos encontrar mais pessoas sadias, enfrentaríamos mais daqueles demônios. Hordas gigantes que nos perseguiriam. Eu não conseguí parar de pensar nisso por muito tempo.
-Hey, o seu nome é Matheus, né? – Amanda perguntou. Acenei com a cabeça positivamente em resposta. –Curte a brisa, sente o ar fresco do litoral. Não é bom? – Ela disse para mim, sorrindo. Era um lindo sorriso. Sorrí para ela e olhei para o céu.
   Eu estava de fato mais calmo. Encostei a cabeça no banco e aproveitei a paisagem, olhando para todos os lugares onde não se via destruição. O carro passeava suave pelas ruas, o som estava desligado.
 -Que tal a gente parar na praia um pouco? – Perguntou Lucas. Todos olharam para ele, com um misto de esperança e negação.
-Até que não é uma má ideia. – Marcos respondeu, sem tirar os olhos da pista. – Mas a gente vai ter que deixar pra depois, talvez na volta.
-Volta? – Perguntou Amanda. –Você está pensando em ir para onde?
-Eu sei lá, mas não vou passar a noite na cidade grande. Como o Matheus disse, é muito arriscado. Talvez a gente possa dormir na estrada. Em alguma região deserta. –
   De repente, o carro parou. Fui assustado pelo forte solavanco que empurrou o meu corpo para frente. Foi sorte eu conseguir me segurar a tempo. Havíamos parado em frente a um enorme hotel, que estava à direita do carro. Marcos havia ‘estacionado’ no canto da pista e olhava atentamente para a porta do edifício, onde estava escrito “Sobreviventes dentro”.
-Vamos dar uma olhada. – Disse Marcos, enquanto jogava seu cigarro fora.
-Tem certeza de que você quer sair do carro? – João perguntou assustado.
-Não precisa ir, se não quiser. –
   Saímos do veículo e olhamos para o hotel por alguns segundos. Era um prédio enorme, com incontáveis janelas de um lado ao outro. Por toda o lugar, o silêncio era absoluto. Nenhum carro passava pela rua.
-Senhoras e senhores... Bem vindos ao Copacabana Palace! – Marcos disse, com um sorriso estampado no rosto.
-Eu não quero ser estraga-prazeres, mas não tenho arma. – Lucas se manifestou. –E não quero morrer também.
-E eu não quero entrar nesse prédio enorme sem saber onde é a saída. – Disse João. Amanda suspirou impacientemente.
-Você- Marcos apontou para João. - Dá a sua katana pro garoto entrar e não saia do carro. – O menino obedeceu às suas ordens.
   Após algum tempo perdido, adentramos o hotel. Era como entrar em uma fortaleza antiga. O ambiente era silencioso e triste. Havia uma piscina enorme logo na entrada, mas já não tinha uma imagem tão agradável. As mesas estavam caídas, havia sangue na água e por todo o chão. Corpos em decomposição largados pelo caminho.
   Assim que entramos no prédio, percebeu-se que teríamos grandes dificuldades: Não havia luz. Os corredores eram silenciosos e escuros. Tirei minha lanterna da calça e iluminei o caminho. Subimos pela escada, tentando não fazer muito barulho. Podíamos ouvir o som dos cacos de vidro quebrando-se com os nossos passos. Tentamos nos manter próximos por todo o caminho. O clima era assustador, eu não podía ver mais que dois metros a minha frente.
   Depois de alguns andares, Amanda abriu a porta da escada: Estávamos em um longo corredor escuro. Luzes de emergência piscavam em seu final, onde podíamos ver um corpo mutilado ao chão. Um cheiro de podre dominava o ar.
-Alguém? – Marcos perguntou em voz alta, com a pistola pronta. Sua voz ecoou pela escuridão, sem resposta. Eu tinha, em uma mão, a lanterna que havia pegado na loja de conveniências. E na outra, minha faca. Eu tentava iluminar tudo o que conseguia, mas estava trêmulo. Ouvía-se um som de goteira ao longe. Meu coração acelerava cada vez mais, eu estava com um mau pressentimento. 
-Tem alguém vivo aí?! – Lucas gritou com toda a sua voz. O eco era absurdamente alto. Aguardamos por alguns instantes até que não se ouvisse mais nada.
 –Não tem ninguém, vamos embora daqui antes que alguém morra. – Nesse momento, ouvimos o som de uma porta abrindo-se atrás de nós. Todos se viraram assustados. Eu direcionei a luz de minha lanterna: Um homem nos encarava parado, com um facão. Pela porta aberta, entrava um forte feixe de luz.
-O que vocês estão fazendo aí fora?! Querem atrair mais desses monstros? – Ele perguntou. Tinha uma voz rouca, como a de um senhor de idade. Era de altura mediana, com cerca de trinta anos.
-Vamos embora daqui, venha conosco. Temos comida e água. – Eu disse.
-Ir embora... E ir para onde? Na televisão diz que todos os lugares estão assim, com essa praga maldita.- Ele fez uma pausa. - Aliás... O noticiário apenas dizia, quando a televisão funcionava. – Com um barulho enorme, outras portas se abriram. A luz vinha de várias portas, formando diversos feixes de luz pelo corredor. Rostos deformados estavam parcialmente iluminados. Dezenas de mortos-vivos no corredor. Eles nos olharam por alguns instantes. Até hoje eu tenho curiosidade em saber em que os infectados pensaram naquele momento. Mas aquele momento não durou muito. Logo eles gritavam como animais no abate, enquanto corriam endemoniados em nossa direção.
-Corram! – Gritou Lucas, enquanto se posicionava com a katana no meio do corredor.
-Vem logo! – Eu disse, puxando-o para longe dali. Logo estávamos todos correndo desesperadamente ao longo do corredor. O homem desconhecido tentou trancar-se novamente, mas os infectados entraram em seu quarto.
-A culpa é de vocês! Malditos sejam! Malditos sejam! – Gritava o homem, enquanto adentrava cada vez mais o seu cômodo.
-Não olha pra trás, só corre! – Marcos me aconselhava ofegante. Abrimos a porta da escada e descemos correndo, um atrás do outro. Os malditos eram insistentes. Espremiam-se pela pequena passagem, pulando os degraus tentando nos alcançar.
   Ao sair pela porta do térreo, nos deparamos com mais zumbis que nos acompanhavam, berrando e correndo em nossa direção. Quando fomos atacados diretamente por um senhor de idade, Amanda não hesitou em acertar-lhe a cabeça com o machado. O infectado caiu ao chão já morto.
   Saímos do hotel e corremos na direção do veículo estacionado, onde jazia um corpo do lado de fora. Tinham mais de trinta zumbis correndo em nossa direção. Desesperados, nós praticamente pulamos para dento do carro. Marcos disparou algumas vezes antes de acelerar.
   Conforme o carro se distanciava, os berros se tornavam cada vez mais baixos, até ficarem imperceptíveis. João estava quieto, em estado de choque.
-Alg... Alguém foi mordido? – Ele perguntou gaguejando.
-Não. – Respondí.
-Agora eu concordo: A gente precisa mesmo sair da cidade. – Disse Amanda.
   Seguimos um longo caminho em silêncio. Eu não parava de pensar no homem que havia morrido nos preguejando. E tinha certeza de que muitos também estavam na mesma situação.
-Pessoal... Eu sei o que vocês estão pensando. Mas não foi culpa nossa. – Marcos falou para todos.
-Claro que foi culpa nossa! A gente atraiu aqueles zumbis todos! – Lucas gritou. Eu sentía a minha consciência pesar. Amanda tinha o olhar perdido, parecía tão aflita quanto eu. Novamente caímos no silêncio. Marcos não tentou falar mais nada por um bom tempo.
   Viajamos alguns quilômetros de carro pela estrada, se distanciando das aglomerações populacionais. Marcos parou em um ponto bem longe de qualquer cidade. Numa estrada sem nenhum carro, envolta por zona rural. Era um lugar tranquilo, como se o inferno ainda não tivesse chegado até lá. Ele puxou o freio de mão.
-Vamos passar a noite aqui. -